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quinta-feira, 10 de março de 2011

AVENTURAS DE SÁBADO

Sábado. O cara acordou com fome de viver – inclusive porque o estômago também estava lá em baixo. Entre o banho matinal e o assalto à geladeira, um barulho inconfundível invadiu a existência: estava chovendo. Nada contra, até que gostava de chuva,... menos no sábado. Sábado é dia especial. Ou seja, é dia de não fazer nada, de beber cerveja, de comprar revistas e inutilidades, de visitar amigos, jogar futebol e, mais importante, começando pelo meio da tarde, é dia de namorar.

Com chuva ou sem chuva, a solução é ir em frente. E como o dia começou, digamos, molhado, nada melhor que procurar um guarda-chuva. Adivinhe se o cara o encontrou? O mais infiel dos animais domésticos (a definição é de Mário Quintana) se perdeu em lugar incerto e não identificado. Tudo bem. Essa era uma boa desculpa para pedir ajuda à vizinha do 305, que, além de muito prestativa, reunia algumas qualidades, como direi?, mais interessantes – muito mais interessantes.

Como em um filme de terror, a vizinha não se encontrava em casa.

De volta ao apartamento, sentado no sofá, e exibindo um daqueles olhares de cachorro “pidão” de desenho animado, tentou sobreviver ao desastre que se anunciava. Assim, para romper com a inércia, foi até a geladeira. Usando de uma boa dose de coragem, abriu o eletrodoméstico. Nenhuma novidade. A imagem que tomou conta de suas retinas tão fatigadas foi a mesma de sempre: o vazio. Isto é, a geladeira estava vazia. Ou quase, que si no és lo mismo, pero és igual. Um solitário litro de leite, longa vida, resplandecia na luminosidade trêmula e amarela que, de lá de dentro, mostrava a realidade da vida.

Disposto a tomar um porre de leite, sacou (como em um daqueles farvestes que gostava de assistir, em outros tempos, nas matinês de domingo) de um canivete Vitorinox, made in Switzerland. Mas, como é de conhecimento amplo, geral e irrestrito, armas e crianças constituem uma combinação irresponsável.

O susto foi grande quando o litro de leite caiu no chão e se misturou com o sangue que jorrou do polegar. Quer dizer, derramou quase meio litro. De leite. De sangue, foram apenas algumas gotas – o que não impediu que ele pensasse, por um instante, na morte e nas demais insignificâncias do existir. Em dúvida se corria para o pronto-socorro ou se fazia um curativo caseiro, pensou em sair pelos corredores do prédio gritando de dor.  Preferiu estancar o sangue com um pedaço de papel higiênico, pois provavelmente ninguém o levaria a sério, tantas tinham sido as maluquices que aprontara pelos corredores do edifício.

Enquanto limpava o chão, o telefone tocou. No apartamento ao lado, é claro. Ele não tinha telefone – o que não impedia que distribuísse às fãs e aos amigos o número do vizinho. O que isso significou? Quase nada: 80% das ligações, no vizinho, eram para ele. Então era aquela gritaria entre janelas: telefooooonnneee!

Conta a lenda que o melhor episódio ocorreu em dia impreciso, lá pelas três e meia da manhã: uma amiga brigou com o namorado e resolveu contar, pelo telefone, justamente naquele momento, toda a história do relacionamento desfeito. Não foi fácil: para o dono do telefone, é claro, que, além de ter acordado no meio da madrugada, ainda precisou ficar ouvindo a choradeira. Como se isso fosse pouco, o nosso herói pedia, aos berros, que a moça se controlasse, essa história de suicídio é besteira, onde já se viu uma mulher bonita morrer por amor, mais fácil é trocar de namorado, ele estava disponível, e na hora do “vamos ver” ainda dava conta do recado. Para terminar, com voz de quem estava prestando um grande favor, disse: “Me aguarde que eu já estou indo para tua casa e, por favor, não chore mais, benzinho”. Foi. Demorou uma semana para voltar. Quando voltou estava mais calmo, mais alegre e com umas olheiras enormes. Dormiu umas quinze horas. Depois, recuperadas as forças, voltou a incomodar – que vizinho é para essas coisas mesmo.

Foi assim que, naquele sábado, recebeu cinco telefonemas-convites para churrascos. Acabou aceitando um, pois um bom pedaço de carne não faz mal a ninguém. O único problema era a chuva, que insistia em fazer as delícias do prefeito populista – dizem as más línguas que ele (o perfeito prefeito imperfeito) vibra toda vez que a zona (epa!) periférica da cidade inunda (“uns votinhos a mais na próxima eleição”, exclama satisfeito o salafrário!).

Para encurtar a história, quem forneceu a carona foi uma loura deslumbrante (esclarecendo: loura falsificada, porém deslumbrante). O nosso personagem desceu as escadas correndo, entrou no veículo e, antes do carro dar partida, deu um beijo cinematográfico na loura, coisa pouca, uns cinco minutos da mais entusiasmada respiração boca-a-boca.

Sobre o que aconteceu depois, não tenho conhecimento.

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