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sábado, 5 de março de 2011

NOITE DE SÁBADO, MANHÃ DE DOMINGO


Acordou com ressaca. Quando se está de bem com a vida, “enxugar” uma garrafa de vinho não é nenhum sacrifício – muito pelo contrário! Na noite anterior havia pensado em sair, atravessar a madrugada em um boteco, olhar as pessoas, sentir o tempo escorrer, sem pressa. Desistiu. O vinho era nacional e um pouco frutado – característica que esqueceu rapidamente. Começou a festa particular ouvindo o trompete de Dizzy Gillespie. Mais tarde, Charlie Parker e “Cannonball” Adderley.
Como um bom menino, antes de dormir, limpou a bagunça toda. Lavou prato e talheres. A frigideira, onde os hambúrgueres contribuíram para a decoração oleosa do teto e do chão, também conheceu sabão e esponja. Mais tarde, deitado, ficou olhando para o teto até a chegada do sono e do sonho. Assim como Manuel Bandeira, humildemente pensou na vida e nas mulheres que amou.
Ao amanhecer de domingo, vontade de ir até a janela – apesar da imagem pouco poética: o céu estava encoberto pela névoa. Saudou a manhã com dois vigorosos espirros. Alguns passarinhos madrugadores saltitavam entre as árvore. Depois de bocejar umas quantas vezes, voltou para a cama. Estava frio.
Cochilou uns quarenta minutos. Levantou. E foi, outra vez, até a janela. A escuridão estava se dispersando, as poucas nuvens lembravam pedaços de lã estendidos no arame da cerca. Um pouco mais a esquerda, entre alguns prédios em construção, o sol ainda era uma mancha sanguínea – que, com o tempo, foi crescendo e amarelando: um imenso girassol.
             A cidade estava despertando. Ao mesmo tempo, algumas imagens acompanharam esse acordar. Lembrou de um menino, uns seis anos, sentado na soleira da casa grande, lá no interior da Coxilha Rica, sertão de Santa Catarina, as mãozinhas ocupadas com uma imensa caneca de “camargo” e um pedaço de pão feito em casa. O olhar do menino também se dirigia para um horizonte sem fim, ultrapassando a mangueira, a manada de vacas que estava sendo conduzida para a invernada, os gritos do capataz, a manhã que rompia, inexorável como a vida.
            “Tá bom, tudo é projeto e memória”, arriscou dizer para si mesmo, um pouco antes de voltar para debaixo das cobertas. Só acordou no início da tarde. E o resto do dia foi bom.

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