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quinta-feira, 24 de março de 2011

O CASO DAS PIZZAS

Meio da semana. Início da noite. O menino já tinha tomado banho e eles, o pai e o filho, estavam famintos.

Misturando o “faz-de-conta” e a “necessidade-é-a-mãe-da-invenção”, resolveram organizar uma caravana expedicionária à geladeira. Dispostos a saquear impiedosamente tudo o que pudesse diminuir o imenso vazio que habitava os seus estômagos, a surpresa foi desagradável.

Encontraram apenas leite, iogurte e um pedaço minúsculo de queijo – tão minúsculo que não alimentaria um rato esfomeado.

O pai do menino ficou indignado. Na sua (dele) concepção, aquele era um dos momentos em que a injustiça mostrava a sua face mais cruel. Uma crueldade capaz de indignar Atila, o rei dos Hunos!

Sem poder contar com o carinho opressor da esposa (que estava viajando), o pai olhou para o menino e decretou:

– Heróis não se apertam nesse tipo de situação!

O filho, do alto dos seus três anos de idade, aproveitou a deixa e, antes que o pai começasse a vasculhar os armários, à procura de uma embalagem de macarrão (quase) instantâneo, gritou:

– Papai, quero pizza!
 
Um raio de alegria brilhou nos olhos da dupla dinâmica. Não se pode dizer com segurança qual deles chegou primeiro ao telefone. Utilizando-se da “suave violência sacrossanta do pátrio poder”, como diria Umberto Eco, o pai afastou o rapazinho, discou o número da pizzaria e aguardou. Depois que tocou diversas vezes, ouviu uma gravação. O serviço estava suspenso, naquele dia, em conseqüência do descanso semanal dos funcionários. Sem saber se era um caso de incompetência comercial ou apenas um engano, ele ficou atônito.

Procurou no catálogo telefônico outro número. Enquanto discava lembrou que... Bem, lembrou do passado. E alinhou mentalmente as queixas que tinha contra as pizzarias. Eliminou duas ou três pela costumeira demora; outras caíram na lista negra pela ausência de qualidade. Ao final, não sobrou nenhuma. Quer dizer, sobrou a fome, que − a cada instante − aumentava vorazmente.

Com o telefone na mão, olhou para o filho e pensou na falta de sorte. Desesperado, ligou para um dos mais famosos restaurantes da cidade. Pensando no saldo negativo no banco, aguardou a chamada ser completada. Uma voz feminina furiosa emitiu um ríspido “aguarde um pouco”. Em seguida, em lugar de uma dessas musicas de elevador que costumam aborrecer as vítimas dos serviços de tele­entrega, ouviu trechos de uma interminável discussão. Sua vontade era desligar, mas não conseguiu. A imagem do prato de comida estava fixada na mente. Além disso, o menino, impaciente, dizia, aos berros:

– Pai, tô cum fomi!

Finalmente, alguém atendeu a ligação. Com visível irritação, a mulher anotou o pedido e garantiu a entrega em quarenta minutos. Considerando que a distância entre um local e outro, a pé, era de uns cinco minutos, ele julgou que esse era um prazo justo. Enquanto aguardava, fez um mini-sanduíche de queijo, dividiu com o filho, ligou a televisão e assistiu mais um capítulo da “outra” novela.

O tempo passou. Uma hora e meia depois, tocaram o interfone. Era, finalmente, a pizza: embrulhada em duas bandejas vagabundas de papelão, com um preço muito superior ao que havia sido combinado ao telefone, e com sabores diferentes aos que haviam sido pedidos.

Ele aceitou o pacote, pagou – incluindo uma generosa gorjeta – e comeu, pedaço a pedaço, um pouco do seu orgulho. Naquelas alturas do campeonato, a fome desculpava tudo.

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