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quinta-feira, 31 de março de 2011

ÓPERA



Nunca se diga que o amor é fácil, antes de vivê-lo como um vício.
(Antonio Maria)

           
Sentado à mesa, com uma garrafa de vinho pela metade e a ausência por inteiro, o desânimo estampado em seu rosto era apenas uma parcela do sofrimento.

Depois de uma briga tempestuosa, dessas que somente são possíveis entre pessoas que um dia dormiram juntas, ela arrumou as malas e foi embora. Antes, disse, ou melhor, gritou, em alto e bom tom, principalmente para os vizinhos escutarem, as razões do seu gesto.

Não foi fácil ouvir a lista de ressentimentos e mágoas. Estóico, ele não disse uma palavra, na vã esperança de que ela cansasse e percebesse o quanto a cena era ridícula e patética.

Essa tática não deu certo. Incentivada pelo silêncio, que considerou um descaso, a mulher inventariou todos os desacertos. E se é natural aos homens tentar esquecer as coisas ruins, as esposas jamais conseguem. Comprovando que a verdade é um hábito terrível, ela lembrou milhares de situações. Chegou até a recordar aquela vez que ele olhou para as pernas de uma vizinha. Cheia de rancor, repetiu o comentário maldoso que se seguiu ao olhar.

Não sobrou pedra sobre pedra. Ensandecida, ela fez questão de abrir feridas cicatrizadas – ou que ele imaginava estarem cicatrizadas! Enfim, colocou todas as cartas sobre a mesa e disse, raivosamente, uma serie de coisas que o surpreenderam. Falou que o amor não sobrevive a pequenas faltas. Que cada vez que erramos, a pessoa amada nos ama um pouco menos. Que as relações afetivas estão conectadas com uma espécie de livro de crédito e débito. E que os nossos defeitos e enganos – em oposição às nossas qualidades – vão sendo somados em uma das colunas. Assim, a cada deslize, vamos perdendo pontos. Um dia, nada mais nos resta. Zeramos a conta.

Por fim, entre lágrimas, declarou que ele era o único culpado pela situação que estavam vivendo.

Em seguida, reuniu algumas coisas e, sem sequer dizer adeus, foi embora, batendo a porta.

Alguns dias depois, uma amiga comum telefonou para combinar a partilha dos bens. Ele concordou com todas as exigências. Entregou, inclusive, o disco do Astor Piazzola de que tanto gostava. Não havia mais razões para viver cercado por objetos que só o fariam recordar a mulher que tantas vezes beijara com paixão e que agora o odiava com uma ferocidade inimaginável.

Depois de ter revivido mais uma vez todas as cenas da tragédia, ele levou o copo à boca e bebeu mais um gole de vinho – para acalmar a sede e o medo. Admitiu que alguma coisa estava quebrada dentro do peito. E chorou. Chorou como só podem chorar aqueles que não sabem pedir perdão.

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