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sexta-feira, 4 de março de 2011

VIDA DE SOLTEIRO


 Um dos grandes sonhos masculinos (e, talvez, feminino) é morar sozinho. Adeus família: pai, mãe, irmãos, cachorro, papagaio, o velho e querido ursinho de pelúcia, vizinhos (a vizinha do 312, também conhecida como “a gostosona”, é claro que não!).

Por “n” contingências, esse tipo de plano nunca dá certo. Mesmo na época dos estudos, o mais próximo da liberdade que algumas pessoas conseguem alcançar é morar em uma “república” – e quem é que consegue sossego no meio da bagunça?

Depois, o tempo passa e... vem a acomodação, o esquecimento e... o casamento. É, finalmente, a primeira mudança séria na vida: esposa, filhos, três gatos (eternamente no cio) e, surpresa!, o ursinho de pelúcia. Fazendo as contas, parece que tudo está bem – exceto por um pequeno detalhe: isso não é liberdade.

O calendário muda diversas vezes. As crises se sucedem. Os filhos ficam cada vez mais caros (nos dois sentidos). Sem saber exatamente a razão, um dia entra areia na tranquilidade e aquilo que parecia o paraíso se transforma em inferno. Sem saída, o melhor é optar pelo purgatório da separação. Separação entre aspas. Tendo filhos, nunca – nunca! – é separação. No máximo, é deixar de dormir juntos. A verdade é que os problemas domésticos nunca serão domesticados e vão continuar incomodando pelo resto da existência (mesmo se um dos “inimigos”, digo, um dos cônjuges for morar no interior do Afeganistão).

Pois é, apesar disso, de repente, por contingências do destino, surge a grande chance de desfrutar do bem-bom da vida. Uma maravilha. Pela primeira vez não haverá horário para as refeições, ninguém vai brigar se o tubo de pasta de dentes ficar aberto, haverá sossego para um bom cochilo no sofá, no sábado a tarde. Liberdade total. Privacidade total. Quer dizer, ... menos nos dias de visita das crianças. O que, convenhamos, é um preço menor para o Nirvana. Verdadeira pechincha.

Acontece que “na prática, a teoria é outra”. A primeira decepção  surge quando, destruindo o maior sonho dos recém-libertos do matrimônio, há a constatação de que algumas amigas, todas de excelentes sentimentos e péssima fama, desapareceram do, digamos, mercado. A solução é jogar fora o velho caderninho de endereços, arregaçar as mangas e partir para a luta – mesmo que isso signifique passar por certos constrangimentos. Será possível esquecer aquela vez que uma “gatinha” te chamou de “tio”? E aquela vez em que, para não brigar com um namorado ciumento, você precisou fugir de um desses bares da moda? A tua sorte é que a turma do “deixa disso” segurou o cara – na esquina, completamente sem fôlego, bêbado e sozinho, você seria massacrado. 

Mas, existem coisas piores. Acordar sem a companheira de tantos anos é um passo na direção do desespero. Lavar roupa, na lavanderia automática da esquina, é tortura chinesa. Fazer compras (o que você sempre gostou) vira aborrecimento. Nada é mais terrível do que chegar em casa, cheio de sacolas, cansado, e descobrir que esqueceu o pão. Ou o leite. Dá vontade de chorar. E, as vezes, isso acontece. De raiva.

E as refeições? Sofrimento total. Incompetente como você sempre foi (até para ler bula de sopa de pacotinho), só restará comprar um manual sobre “como fritar um ovo sem espalhar óleo pelo teto”. Isso se, por um passe de mágica, for possível encontrar o ovo na geladeira.

Pior do que isso, só o sorriso maldoso da caixa do supermercado quando está registrando tuas compras: dezenas de embalagens de macarrão instantâneo, latas de sardinha e salsicha, caixas de cerveja, litros de refrigerante e água mineral. Dá para sentir que a moça conhece toda a tua história, só pelo “rancho” semanal.

Nos finais de semana o apartamento se transforma em um festival de louça suja: talheres, pratos e panelas se acumulam na pia. No lixo, guardanapos, embalagens de pizza e pilhas de jornais resumem os principais acontecimentos do sábado e do domingo. Não é uma visão agradável.
Para completar a dose, o som do telefone: alguém está avisando que a empregada está doente e que, portanto, só vai poder voltar ao serviço em quinze dias. Tudo bem.  Quem se importa em dividir o apartamento com meia dúzia de baratas? Assim, pelo menos, elas fazem companhia e, vá lá, diminuem a tua solidão.

E se alguém pensa que o drama acaba assim, tão fácil, puro happy end, vá tirando o cavalinho da chuva. Tem mais, muito mais. Só Deus sabe como será possível encontrar roupa limpa, nas manhãs de segunda-feira. No guarda-roupas é que não estarão. Vale tentar naquele monte, em cima da cama. Ou naquele outro, sobre a cadeira. Parece uma conspiração: impossível encontrar um par de meias.

Fazer o que? Antes que a neurose ataque, a melhor solução talvez seja deitar (mesmo em cima das roupas), apagar a luz e dormir. Dormir até o fim da eternidade. Ou até o dia seguinte, quando, diante do inevitável, só restará uma opção: casar – outra vez. 

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