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segunda-feira, 11 de abril de 2011

A NOBRE ARTE DE VIAJAR EM FAMÍLIA

Cansado de sobreviver aos finais de semana em família − no aconchego do lar, sufocado pelo carinho da esposa e dos filhos −, uma mudança de ares nunca é má idéia. Contra os mil e um desaforos domésticos ou essa tolice que é o contar moedinhas, a nobre arte de viajar surge no horizonte doméstico (raras vezes domesticado) como um antídoto contra a monotonia.

O ideal seria fornecer um descanso para a esposa e, ao mesmo tempo, cansar até não poder mais os filhos.

No sítio da família as crianças não querem ir. Todo ano é a mesma coisa: cavalgadas, pescaria, muita comida e... tédio. Depois de cinco dias nada mais é novo, as brigas começam a se tornar uma constante e não há quem consiga suportar os mosquitos.

Tudo bem, inferno basta o ano todo – em casa. Então, é hora de colocar a cabeça para funcionar e fazer uma lista das possíveis alternativas para que o pesadelo do descanso se transforme em um doce e lindo sonho.

Uma possibilidade é visitar um parente distante. Distante geograficamente, é claro. Que tal aquele tio milionário que mora no interior do Mato Grosso? Dizem que o pantanal é inesquecível. Eis a solução! Quer dizer,... depois de uns vinte telefonemas, a frustração: o tio "amado", que poderia melhorar a tua vida, está em férias! Foi para o nordeste. E ninguém sabe quando voltará!

Estações de água, a casa da irmã em São Paulo (o cunhado é muito chato!), uma viagem pela Europa — cartas fora do baralho. Nada é possível. Ou falta dinheiro ou falta paciência.

O litoral surge como alternativa. É pouco, mas fazer o que? Então, o primeiro passo é alugar casa ou um mísero apartamento de quarto-e-sala.

Supondo que, por um milagre, tudo transcorra como planejado, e, depois de muito pesquisar, você consiga uma casinha, pequena, porém honesta, lá no fim do mundo, ainda é cedo para pensar que tudo está resolvido.

Infelizmente, não está. Essa história de ficar bebendo cerveja, na beira do mar, olhando platonicamente as bundas que passam, é muito bonita, muito charmosa, mas... antes do paraíso, é necessário ultrapassar o purgatório.

O ínício da festa começa com a revisão do carro (que serve também para mostrar que parte do teu dinheiro vai ser gasto antes da viagem). Depois, as compras imprescindíveis: cerveja, roupas de banho, camisetas, mais algumas cervejas...

Superada essa fase, urge encontrar uma “vítima” para ficar com o cachorro. E que o trate bem. Inevitavelmente, as crianças vão exigir garantias, senão... o cão vai ter que ir junto. E isso é pior do que o mar virar sertão.

Aí então, é arrebanhar “as crias”, entrarem no carro, conferir se alguma coisa não ficou para trás — e não dá outra, sempre há esquecimentos (alguns, propositais!). Parece até praga de ex-namorada.

Por fim, vem o translado. BR-282. Os buracos da estrada, os filhos gritando, “pai, quero coca!”, a mulher a beira de um ataque de nervos, as manobras para desviar dos kamikazes (que, na direção contrária, tentam a todo custo causar um acidente), “paiêêêê, tô cum fomi!”, o pneu furado, as cinco mil paradas em todos os postos de gasolina na beira da estrada, a garrafa de água mineral que um dos meninos derramou no banco traseiro, o caos a desafiar os poucos cabelos que te restam na cabeça. E, por fim, para dar um fecho de ouro, a multa por excesso de velocidade. Essa "eles" não cobram na hora. Você nem fica sabendo da infração. Ou se a cometeu, realmente. Depois, uns quinze dias depois, a multa chega pelo correio, airosa e com o prazo de contestação vencido. O remédio é pagar. Afinal, se as contas forem feitas na ponta do lápis isso é apenas mais um monte de dinheiro e como você já está falido... não custa mergulhar no abismo.

No meio da confusão aparece a dúvida cruel: será que isso tudo vale a pena? Afinal, mesmo antes de sair de casa você já está morto de cansaço!

Mesmo assim, a solução é arriscar. Alguma coisa do tipo “relaxar e gozar”. Pois, se pensarmos bem, descanso é descanso, a praia vai ser demais e ninguém é de ferro.

Por fim, há uma recompensa: voltar ao trabalho! Depois desses desastres todos, oito horas de serviço diário podem, inclusive, ter algum charme — tudo depende apenas das provações que você tiver que superar nesses fantásticos dias de sol (e chuva!) que algum louco convencionou chamar de descanso.

Boa viagem!

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