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sexta-feira, 1 de abril de 2011

O PRAZER E A CACHAÇA

                                                                                 
Boteco, sexta-feira, final de tarde. Intermináveis copos de cerveja para sedes intermináveis. Conversa espichada, sem preocupações, sem horário para acabar.

Negro, roupa suja, completamente bêbado – ninguém o viu entrar, mas ele ali estava, pedindo dinheiro.

— Moçu? Mi dá dinheru prá comprá cachaça?

— Enlouqueceu? Se ainda fosse para comprar comida...

— Cumida, num quéru. Num tô cum fomi. Quéru cachaça!

— ????

— Eu qui bebu e cê é qui fica surdu? Moçu, quéru cachaça!

— Não! Dinheiro para cachaça eu não dou.

— Tudo bem. Já vi esse firme antes. Cê gosta memu é di mintirosu.

— O que foi que você disse?

— Moçu, quéru cachaça. Num tô pidindu grana prá comprá pão ou cumida. Eu gostu é di cachaça. Num quéru comprá pão. Num si iluda. Quéru cachaça!

— Definitivamente, essa conversa está ficando muito maluca.

Num veju purquê. Eu gostu di cachaça. E só tô pidindo argum trocadu prá móde podê comprá um copu di pinga. Qualé o pobrema?

— Ora, nunca ninguém me pediu dinheiro para comprar cachaça. Você é o primeiro.

Também nunca vi pulitico honestu, ma continuo creditando qu’um dia vai parecê o sarvadô da pátria. Será que cê pudia mi dá argum dinhero prá comprá cachaça?

— Caramba! Além de insistente, você é meio filósofo!

— Moçu, tem grana ou não?

— Não. Para cachaça não dou dinheiro.

— Sei...          

— Que tom de deboche foi esse?

— É qui cê também é um poco isquisito. E a cerva, aí?

— O que é que tem a minha cerveja?

— Ora: eu gosto di cachaça, cê gosta di cerveja.

— Não entendi.

— Moço, mi dá arguma moeda prá comprá cachaça?

— Não! Para cachaça, não dou dinheiro! Mas, satisfaça a minha curiosidade: porque você gosta de cachaça?

— Purque cachaça é bão.

— Olha: tem alguma coisa fora do lugar nessa tua história. Diga lá, você bebe por algum desgosto na vida?

— Não, moçu. Bebu porque gostu.

— Francamente, não dá para acreditar nisso.

— O quiéqui num dá prá creditá?

— Que alguém beba em quantidade apenas porque gosta. Você é casado?

— Fui.

— O que foi que houve?

— A muié mi dexô.

— Será que não foi por causa da cachaça?

— Foi.

— Então, a cachaça estragou a tua vida!

— Não!

— Não entendi.

— Moçu, ela num gostava dus meus pileque, da minh’alegria, do meu jeito de vivê. Prifiriu i’bora, ca’as crianças. É a vida. Agora tenhu a cachaça só prá mim. Eu bebu porque gostu!

— Mas, será que você não entende que a bebida está estragando a tua vida?

— Moçu, cê é que num intendi nada! Eu gostu de cachaça!

— Está certo, eu vou te dar o dinheiro. Mas, quero que você me prometa que vai comprar, além da cachaça, um pouco de comida.

— Não! Nessa cundição num quero dinheru!

— O quê?

— Tô pidindo dinhero prá comprá cachaça. Cumida, num quéru!

Não dá para entender a tua lógica!

— Moçu, eu gostu di cachaça! Será qué difícir intendê uma coisa tão simpres?    

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