Páginas

terça-feira, 24 de maio de 2011

BETÃO DA PENHA E OS VALORES CULTURAIS

−Meu fio, nessa vida vancê só presta pra duas coisa: dançá chula i criá increnca!

Em tom de desabafo, as palavras do viúvo Honório da Silva, pai de Adalberto Medeiros Silva, eram a mais pura verdade. O rapaz tinha "bicho carpinteiro", não parava quieto. E adorava uma confusão, principalmente em baile.

O velho Honório, na companhia do grande causídico de porta de cadeira, "Dotô" Sandoval, cansou de atravessar as madrugadas tentando convencer o sub−delegado que seu filho era bom rapaz.

Depois, quando estavam em casa, repetia a velha ladainha:

− Esse guri já mi dexô di cabelo branco, qué mi matá di veiz!

Se foi pelos incômodos causados pelo filho ou pelo excesso de cachaça ninguém sabe, mas um dia o velho "capotou" na estrada da vida e foi gauderiar na pampa do além.

Órfão, Adalberto resolveu morar na cidade.

Alguns vizinhos tentaram fazer o rapaz mudar de idéia. A todos, ele respondia:

− Um homi pricisa errá prá ‘prendê. S’incomódi não, si num dé certo, eu vórto. Eu vórto prá róça, que nunca fui di injeitá trabaio.

Vendeu o sítio por uma ninharia, pagou as contas, se despediu dos amigos e embarcou no ônibus. Pediu pouso na casa de tia Ernestina, que morava no bairro da Penha.

Dez minutos depois de ter chegado e "midindo" a prima Jurema de cima até embaixo, teve a certeza de que a vida estava melhorando. Dito e feito. Foi no capãozinho dos fundos da casa, uns dois dias depois, que uis e ais se confundiram com juramentos de amor.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

No início da nova vida, Adalberto marcou posto nas proximidades do bar Gre−nal. Encostado em um poste, sem camisa, medalhinha de ouro do Sagrado Coração de Jesus no pescoço, palito nos dentes, uma das pernas da bombacha arregaçada e o chinelo de dedos mostrando as unhas encravadas, foi mapeando o terreno, descobrindo onde morava a lourinha, a que horas o marido de Ângela voltava do trabalho, essas pequenas preciosidade que fazem a diferença.

Às vezes aceitava algum trabalho e ajudava na descarga dos caminhões no depósito do supermercado. Coisa pouca, que era para não cansar o corpo e o espírito.

Forte, simpático e bom de briga, passou a ser chamado, pelos amigos, de Betão da Penha.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Uns dois meses depois, no CTG "Potro Xucro", Betão da Penha venceu o concurso de chula − classificatório para o Rodeio da Vacaria.
Mais importante que o prêmio em dinheiro, foi o rodízio de namoradas que promoveu com as moças que integravam a invernada artística – não escapou uma!

Na Vacaria, Betão chegou, competiu e venceu – na chula e na doma de cavalo!

− Inda tá prá nascê o potro qui mi vai fazê cume puera!

Tamanho sucesso garantiu várias homenagens. O burgomestre e os edis fizeram questão de cumprimentar o herói. Foi aí que aconteceu a desgraça.

Em sessão especial do parlamento provincial, D. Elizabeth Macarrônica Alvarenga Silva Gomide Azevedo, que respondia informalmente (pura philantropia!) pela divisão artística da Intendência, foi a "otoridade" encarregada de entregar ao Betão da Penha a Medalha de Honra ao Mérito Desportivo. Amor à primeira vista. Nada mais, nada menos. Casada, dois filhos adolescentes e "passada do ponto", Elizabeth sentiu o coração palpitar mais forte quando viu aquele "pedaço de carne" na sua frente, conforme confidenciou, no outro dia, para uma amiga.

Na primeira oportunidade, sem esperar pelo término da cerimônia, com a voz trêmula, Elizabeth convidou o Betão para um arroz com galinha, lá no seu apartamento. Fazia gosto da presença do atleta.

No dia combinado, Betão vestiu a melhor bombacha e foi à luta.

"Eitá comidinha gotósa!", dizia o peão, enquanto metia as mãos calejadas dentro da panela e de lá tirava mais uma coxa de frango, sem se importar com os grãos de arroz que caiam em cima da mesa e no chão. Com a boca cheia e as mãos engorduradas ia contando a história de sua vida. Grandes goles de vinho de garrafão ajudavam a destravar a língua. Horrorizado, o marido de Elizabeth alegou cansaço, pediu licença e foi deitar.

Terminada a refeição, seguiram para a sala. Era hora do sarau musical. Os últimos sucessos do Trio Disparada Mole (Muñeco, Manéca e Manequim) receberam aplausos vigorosos.

Próximo das dez da noite, a dona da casa e a visita ainda estavam conversando sobre a importância da preservação dos valores naturais da cultura campeira.

O que aconteceu depois não é difícil de imaginar. Elizabeth começou a ficar cada vez mais solta e, depois de acender um daqueles cigarrinhos perfumados, "pulou" no mancebo. A festa foi grande.

Quando estava no melhor do sono, o marido foi acordado por uma sucessão de pequenos gritos, risos abafados e exclamações entusiasmadas: "Ai, que delícia!", "Faz de novo, é tão bom!".

Sem se conter, desceu a escada e perguntou:

−Alguém poderia me dizer o que está acontecendo?

O que não estava no programa foi a voz arfante de Betão da Penha:

− Moçu, vorte prá tua cama e num atrapaie. I num seja besta de parecê aqui antis da genti urtimá o serviçu!

Nenhum comentário:

Postar um comentário