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sexta-feira, 29 de julho de 2011

QUARENTA AFORISMOS DE FRANÇOIS DE LA ROCHEFOUCAULD

1) O mal que praticamos não atrai tanta perseguição e ódio quanto nossas boas qualidades.

2) Os que muito se dedicam às coisas miúdas tornam−se muitas vezes incapazes das grandes.

3) Para nos instalarmos no mundo, fazemos o possível para nele parecermos instalados.

4) A graça está para o corpo assim como o bom−senso está para o espírito.

5) Não há disfarce que por muito tempo possa esconder o amor que existe, nem fingir o que não existe.

6) Há uma só espécie de amor, porém mil diferentes cópias.

7) Há muitos remédios para o amor, nenhum infalível.

8) Mais vergonhoso é desconfiar dos amigos do que ser por eles logrado.

9) Apraz aos velhos dar bons conselhos, como consolo por já não estarem em condição de dar maus exemplos.

10) A velhice é um tirano que proíbe, sob pena de morte, todos os prazeres da mocidade.

11) Há casamentos bons, mas não os há deliciosos.

12) Muitas vezes fazemos o bem para impunemente podermos fazer o mal.

13) Julgar−se mais astuto que os outros é a melhor maneira de enganar−se.

14) A demasiada sutileza é falsa delicadeza; a verdadeira delicadeza, sutileza.

15) Basta às vezes ser grosseiro para não ser logrado por um homem hábil.

16) O menor defeito das mulheres que se entregam por amor é fazer amor.

17) É mais fácil ser sensato com os outros que o ser consigo.

18) Não basta ter grandes qualidades, é preciso saber empregá−las.

19) Todos nos envergonharíamos da maioria de nossas boas ações, se o mundo soubesse os verdadeiros motivos por trás delas.

20) A arte de bem empregar qualidades medíocres rende estima e, muitas vezes, mais reputação que o verdadeiro mérito.

21) Há mais pessoas desprovidas de interesse que de inveja.

22) Quem vive sem loucura não é tão sensato quanto pensa.

23) A demasiada pressa de pagar uma obrigação é uma espécie de ingratidão.

24) São incorrigíveis as pessoas felizes: acreditam sempre ter razão quando é a fortuna que lhes sustenta a má conduta.

25) A verdadeira eloqüência consiste em dizer tudo o que é preciso, e somente o que é preciso.

26) É impossível amar uma segunda vez quem verdadeiramente deixamos de amar.

27) Na amizade como no amor, mais trazem felicidades as coisas ignoradas que as sabidas.

28) Há loucuras que se contraem como doenças contagiosas.

29) Quem fala bem de nós nada de novo nos ensina.

30) Se há homens cujo ridículo nunca aparece é que não o procuraram bem.

31) Não podem as pessoas fracas ser sinceras.

32) Não achamos de bom senso quem não é de nossa opinião.

33) O ciúme nasce sempre com o amor, mas nem sempre morre com ele.

34) É quase sempre culpa de quem ama não perceber quando deixa de ser amado.

35) Poucas mulheres honestas não estão fartas de seu ofício.

36) Se resistimos às nossas paixões, é mais pela fraqueza delas que pela nossa força.

37) O que torna insuportável a vaidade alheia é que ela fere a nossa.

38) Todas as paixões fazem−nos cometer faltas, mas o amor faz−nos cometer as mais ridículas.

39) Perdoamos facilmente nos amigos os defeitos que não nos incomodam.

40) A ruína do próximo agrada aos amigos e inimigos.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

NA INFÂNCIA, O DOMINGO TINHA SABOR DE PIRULITO ZORRO

Na infância, o domingo tinha sabor de pirulito Zorro, balas azedinhas, Mentex e Diamante Negro.

Antes, no almoço, lasanha. Uma travessa de vidro enorme, fumegante, colocada no meio da mesa, o queijo derretendo diante dos olhos. Pai, mãe, irmãos – todos comportados, fingindo amor. A sobremesa variava: arroz−doce, sagu ou doce de gila. Depois, no início da tarde, quando podíamos nos livrar das amarras familiares, cinema. Cine Tamoio, onde o pai de alguns amigos era funcionário. Às vezes, Cine Marajoara. Raramente no Cine Avenida − era longe, precisava pegar ônibus.

Domingo era dia de faroeste. Dólar furado, Por um punhado de dólares, Django, Lee van Cliff fazendo pose de pistoleiro que vai levar tiro no peito na cena final do filme. Alegria grande, dessas de quem ganha na loteria, eram aqueles filmes em que os amigos Winnetou e Mão−de−ferro lutavam contra os bandidos. A Biblioteca Pública tinha todas essas aventuras, cansei de levar emprestados os livros escritos por Karl May.

Às vezes passavam filmes de Maciste, Hércules, Sansão e Dalila. Victor Mature fazendo pose de galã. Umas histórias enroladas, muitas cenas de lutas com espadas, gladiadores vencendo leões no Coliseu, mulheres com togas curtas, o contorno dos corpos se insinuando debaixo do tecido fino. Ninguém perdia essas sessões. Assunto garantido no recreio da escola, na manhã seguinte.

Naquele tempo, a bomboniere do cinema era sortida em doces e não vendia pipoca. Em uma cidade próxima, um juiz não gostou de ouvir alguém estourar a embalagem. Proibiu a venda em todos os cinemas. Anos 70. A repressão torturava impunemente e nós íamos ao cinema se divertir.

Refrigerantes também não vendiam. Não lembro o motivo. Se estivesse com sede e algum dinheiro, era preciso entrar em algum bar e pedir no balcão. Não havia nada melhor do que Crush gelado, aquele gostinho artificial de laranja descendo pela garganta como se fosse festa. Sabor muito diferente daquelas limonadas aguadas que acompanhavam as refeições lá em casa. Em dias especiais tínhamos permissão para beber capilé (um xarope de groselha gosmento).

Não importava se tínhamos assistido filmaço ou bomba, ir ao cinema era um prazer. Depois, revista em quadrinhos. Essa era uma parte indispensável do programa. Em uma banca lá perto do Marajoara tinha de tudo: Pato Donald, Zé Carioca, Batman, Super−Homem. Muitas vezes não era possível comprar todas as novidades. Acordos financeiros com os irmãos raramente funcionavam. O usual eram as brigas, os gritos e acusações, as promessas de contar "tudo" para a mãe.

Domingo, no inicio da noite, costumávamos visitar um dos irmãos de meu pai. Lá tinha televisão. Na nossa casa, não. Solenes, fazíamos silêncio diante das imagens transmitidas pela TV Gaúcha, único canal possível naqueles tempos. Nossa diversão era, primeiro, o Show do Gordo − um mix de entretenimento, com direito a calouros musicais. Uma hora depois, a grande atração da noite: Ringue 12 Marinha Magazine. Todo mundo torcendo por Ted Boy Marino, que julgávamos o maior lutador de todos os tempos.

Mais tarde, não lembro quando, o mundo das imagens se expandiu através da TV Coligadas, de Blumenau.

Na infância, em alguns momentos, a felicidade esteve por perto – depois, como sempre acontece, foi embora.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

A ÚLTIMA ESTAÇÃO (UM FILME SOBRE OS ÚLTIMOS DIAS DE TOLSTOI)

O filme A última estação (The last station. Dir. Michael Hoffman, 2009), baseado em romance de Jay Parini (The last station: a novel of Tolstoy’s last year), é uma tentativa de retratar os últimos dias de vida de Liev Nikolayevich Tolstoi. Infelizmente, é apenas uma tentativa. Dessas que, ao mesmo tempo em que ensaiam colocar em ordem a confusão, deixam o chão enlameado, o mundo de ponta−cabeça.

Exemplo de um cinema cada vez mais freqüente, os dias que antecedem a morte de Tolstoi são narrados com impressionante superficialidade. Condensação do tempo e do espaço, a esconder o mundo que os cerca. As questões mais importantes do início do século 20 foram deixadas de lado. Nem mesmo as transformações políticas na Russia (crescimento da insatisfação popular contra o Czar, revolta de 1905) são citadas. O que transparece é uma grandiosidade falsificada, produto da falta de senso crítico com as personalidades históricas – esquecendo que, atrás do endeusamento, existem seres humanos. Em outras palavras, A última estação é um filme repleto de ausências. Faltam muitas coisas – inclusive os russos. O elenco estelar não conta com nenhum nativo da Europa Oriental. E isso é, no mínimo, ridículo. Também falta uma maior consistência na elaboração do personagem que deveria ser o protagonista. Christopher Plummer (com aquela barba residual de Alvo Dumbledore) não convence como Tolstoi – principalmente nas cenas em que a apatia (bastante artificial) devora o senso crítico do autor de Guerra e paz. O pacto ficcional caminha em direção oposta à vontade da produção: colocar em cena um excelente ator não transforma uma bobagem em obra−prima.

Além disso, o enredo perde o sentido quando se divide em dois pólos secundários. O envolvimento afetivo entre o secretário de Tolstoi, Valentin Fedorovitch Bulgakov (James McAvoy), e Maria Filipova (Anne−Marie Duff) acrescenta no andamento narrativo o romantismo típico (e alienado) das histórias de amor. Parece até recurso de roteirista sem imaginação, que quer preencher o espaço com algum elemento mais suave, menos tenso.

Na parte mais movimentada do filme, a oposição (afetiva, ideológica, econômica) entre Sofya Andreyeva (Helen Mirren) e Vladimir Grigorievitch Chertkov (Paul Giamatti) desvia o olhar do espectador para as intrigas do poder. São cenas teatrais, tempestuosas, divertidas, patéticas. Sofya Andreyeva, uma mulher passional, muitas vezes rompe as barreiras do bom senso. Chertkov não passa de um manipulador, um desses cretinos que somente conseguem se realizar com o sucesso alheio.

Com todos esses desdobramentos da ação narrativa, Tolstoi fica em segundo plano. Parece uma marionete sem personalidade, jogada para lá e para cá − de acordo com interesses circunstanciais. A sua morte, no sul da Rússia, se transforma em mero complemento. Enquanto Lyev Nikolaievitch agoniza, o filme emoldura outros episódios da luta entre Sofya Andreyeva e Vladimir Grigorievitch. É recurso risível, típico de cinema de terceira categoria. Para completar a comédia, o happy end surge logo depois do anúncio da morte de Tolstoi: Valentin Fedorovitch reencontra Maria Filipova e sela com um beijo o porvir.

Resumo da ópera: A última estação, assim como o romance de Jay Parini, é ruim, muito ruim.

terça-feira, 26 de julho de 2011

LUCIAN FREUD

Lucian Freud está morto. Foi isso que os jornais anunciaram. Requiescat in pace, bloody bastard, exclamei em voz alta, como se fosse possível exorcizar a ignomínia. Li alguns elogios fúnebres na Internet, todos em ritmo de hagiografia. É sempre divertido ver como a canalha adora corromper o que lhe escapa ao entendimento.

Alguns anos atrás, ou melhor, quase no final do século passado, passei alguns bons minutos na frente do original de Girl with a White Dog. Depois, atordoado por aquele realismo excessivo, fui ver outras pinturas, me encantar com diferentes formas de retratar o espanto, amansar a mente com os traços poéticos de Pierre Bonnard. Fui descobrir tons e nuances que as reproduções em livros de arte não nos mostram. Como a vida não é feita apenas de alegrias e sonhos, não fui longe. Em outra sala encontrei telas de Francis Bacon e a loucura voltou a contaminar meus olhos. Para alguém que não sabe (nunca soube) desenhar, aquele passeio por um dos mais importantes parques de diversões das artes plásticas foi uma espécie de conversão ao mundo da magia.

Lucian Freud, em foto de Francis Goodman (1945)
Mexendo em uma dessas caixas de sapato em que guardo pedaços do passado, encontrei vários cartões postais, comprados na loja de souvenires da Tate Gallery. Girl with a White Dog é um deles. Os olhos da mulher, repletos de angústia, a cortina escura como pano de fundo (parecendo esconder segredos pesados), me assustam. A aparente tranquilidade do cão (em dupla função: descansar, proteger a mulher) se prolonga na lição de anatomia proposta pelo seio descoberto, exposto à visitação pública, desafiando o pudor anglicano. A mão esquerda encobrindo o outro seio (a ilusão de que há outro seio, a ilusão de que o corpo completo saciará a sede proposta pela imagem) traduz a apreensão que encontramos no olhar da mulher. A composição parece nos dizer que a trajeto entre o visível e o que está escondido pelo roupão não é pacífico. O desejo transita por essas ruas que levam até a exaustão.

Em Self−Portrait with Patricia Preece há proposital falta de proporção entre as figuras, a sobreposição de uma imagem sobre a outra, o pescoço masculino torcido, o papel de parede florido, os corpos sem vestimentas, ela prostrada, ele ausente, sem grandes encantos, as cores da pele emparedando os sentimentos. No triste espetáculo da intimidade devassada, utilizando uma luz forte, ofuscante, o artista tentou eliminar a sensualidade ou a excitação. E fez isso com uma pincelada menos contraída, menos preocupada com as minúcias do desenho.

Mestre nos efeitos antirromânticos, Lucian fornecia, em algumas de suas telas, uma feiúra proposital, agressiva. Flertava com os sentimentos mais desagradáveis do ser humano ao oferecer imagens que afastam a visão do espectador. Ao mesmo tempo, estava ciente de que são essas imagens grotescas que serão revisitadas continuamente. É a dor (imaginária, simbólica, real) que fornece humanidade ao espectador.

Eu pinto pessoas não precisamente pelo que elas parecem, não exatamente pelo que elas são, mas como elas deveriam ser, disse o artista, esclarecendo (ou complicando) o seu modo de percepção da arte.

Lucian, um dos netos de Sigmund Freud (e ninguém é da família do "inventor" da psicanálise impunemente), nasceu em Berlim em 1922. Com a ascensão do nazismo, sua família migrou para a Inglaterra, onde se estabeleceu. Foi marinheiro, professor universitário (visitante), ganhou prêmios. Tinha alguns amigos e muitos inimigos. Na vida privada, cometeu alguns excessos – conta a lenda que reconheceu cerca de quarenta filhos, talvez mais.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

SOTERRADO PELOS LIVROS

No início do romance Fantasma sai de cena (Philip Roth, 2008), o protagonista (que acumula as funções de narrador) Nathan Zuckerman informa que está relendo Joseph Conrad e cita, com especial apreço, A linha de sombra. Comprei um exemplar, mas nunca li. Abri o livro, dei uma olhada em algumas páginas, não fiquei atraído, devolvi à estante. Ficou para depois. Algum tempo depois, não muito, talvez um ou dois meses depois, li uma novela sul−americana maravilhosa: A casa de papel (Carlos María Domínguez, 2006). Fábula amorosa (pela mulher, pela literatura, pela liberdade), o texto é um deleite para quem gosta de livros e histórias bem contadas. E a viga principal dessa "casa" é A linha de sombra. Disse para mim mesmo: assim fica difícil não ler o livro do Conrad!

Recentemente, ao ler A viúva grávida (Martin Amis, 2011), esse tipo de experiência se repetiu (embora com algumas diferenças). O personagem Keith Nearing, enquanto cobiça as amigas de sua namorada, atravessa um verão inteiro lendo Jane Austen. Claro, ele lê outros clássicos ingleses (inclusive D. H. Lawrence). Mas é Austen que possibilita as melhores cenas, o contraste entre a contenção de uma época cavalheiresca (que não existe mais) e a luxúria que estava surgindo no horizonte dos anos setenta.

No mundo em que a intertextualidade bate um bolão não demorou muito e eu estava assistindo, mais uma vez, O Clube de Leitura Jane Austen (The Jane Austen Book Club. Dir. Robin Swicord, 2007), filme baseado no romance de Karen Joy Fowler (que li – tropeçando − em espanhol, pois desconheço tradução ao português do Brasil).

O desdobramento das várias histórias relacionadas com um grupo de amigos reunidos em um clube de leitura ocorre de forma intensa. Unindo o entorno físico e psicológico das personagens com o modelo comportamental sugerido pelos romances de Jane Austen, o filme (apesar da superficialidade do cinema comercial) propõe a literatura como instrumento de análise social. Uma das cenas é bastante significativa nesse aspecto. Diante da escolha entre o marido troglodita e o jovem amante, Prudy se pergunta: o que Jane Austen faria? A resposta, apesar de dolorosa, mostra que a sensatez é inimiga do ressentimento.

O engraçado nessas histórias de preferências literárias é que, por diversos motivos e circunstâncias, não li dois dos romances de Jane Austen: Mansfield Park e Persuasão. Quer dizer, o primeiro estou quase na metade, agradavelmente surpreso por estar gostando de um texto tão diferente do romance contemporâneo. Povoada por uma linguagem oblíqua, cheia de entrelinhas, sutilezas que somente uma leitura muito atenta consegue decifrar, a história daquelas mulheres predadoras (e de alguns homens idiotas) é divertida, é deliciosamente atual.

Mas não é somente isso. Em O Clube de Leitura Jane Austen há outro fator muito mais engraçado. Em paralelo à trama principal, surge um convite literário pouco usual: a ficção científica. Dois dos personagens se envolvem em um relacionamento afetivo complicado. Em determinado momento, Grigg usa o argumento definitivo: como está lendo os livros que agradam a Jocelyn, insiste que ela leia os livros que o agradam. Sugere, entre muitos títulos, A mão esquerda da escuridão, escrito por Ursula K. Le Guin. Esse eu li. E gostei. Muito.

Outra referência literária recorrente é Dostoievski, principalmente dois de seus romances mais conhecidos: Crime e castigo (1866) e Recordações da casa dos mortos (1864). Ao leitor comum, basta um pequeno descuido e não se consegue evitar o esbarrão. Há momentos em que isso ocorre de maneira sutil, alegórica. É o caso do romance Casa de encontros (Martin Amis, 2007), um tour de force contra o autoritarismo estatal (principalmente o soviético). Outras vezes, como em alguns filmes recentes de Woody Allen (Match Point, 2005; O Sonho de Cassandra, 2007), a colisão flerta com a perda total, as alusões engolindo as diferenças entre uma coisa ou outra.

Enfim, a literatura é um balaio de siris, quando você puxa o primeiro para fora saem vários, um enganchado no outro. Ler O nome da rosa (Umberto Eco, 1980) pode ser um imenso (e divertido) passeio pelos romances policiais, pela filosofia iluminista, pelos clássicos gregos. Em determinado momento Adson de Melk pergunta para William de Baskerville: Os livros são mais importantes do que as pessoas? A resposta não é tão simples quanto parece, inclusive porque o meio−de−campo está congestionado por livros como Fahrenheit 451 (Ray Bradbury, 1953) que, mais do que a anunciação do terror fascista, alerta para uma questão básica: o conhecimento caminha ao lado da liberdade.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

TRINTA FRASES AMOROSAS

− Um homem pode ter dois, talvez três casos durante o casamento. Mais do que isso é sacanagem. (Yves Montand)

O homem casado, se não transar com as amigas da mulher, vai transar com quem? (Eduardo Mascarenhas)

− Não há tantos homens afortunados no mundo quanto há lindas mulheres que os mereçam. (Jane Austen)

A amante perfeita é aquela que se transforma numa pizza às quatro da manhã. (Charles Pierce)

− Sempre digo que uma mulher deve se casar por amor – e continuar se casando até encontrá−lo. (Zsa Zsa Gabor)

O amor nunca morre de fome, mas de indigestão. (Anne de Lenclos)

− O amor não é o gemido plangente de um violino distante, mas o triunfante zunido da mola de um colchão. (S. J. Perelman)

O homem que beija o chão que sua garota pisa provavelmente sabe que o pai dela é o proprietário do terreno. (Laurence J. Peter)

− O primeiro amor é apenas um pouco de tolice e muita curiosidade. (George Bernard Shaw)

Um cavalheiro é um homem que jamais bate numa mulher sem primeiro tirar o chapéu. (Fred Allen)

− É de bom tom escrever cartas de amor. Há certas coisas que não fica bem pedir à amada frente a frente. Dinheiro, por exemplo. (Sacha Guitry)

O casamento vem do amor, assim como o vinagre do vinho. (Lord Byron)

− As relações mais felizes são aquelas baseadas na mútua incompreensão (François de La Rochefoucauld)

Entrei para os Casados Anônimos. Quando me dá vontade de casar, eles me mandam uma mulher de roupão e rolinhos no cabelo, para me queimar a torrada. (Dick Martin)

− Um dos objetivos da benção nupcial é a de punir ambas as partes. (H. L. Mencken)

O homem chifrado por uma mulher feia é mais corno do que os outros. (André Birabeau)

− Lavar a honra com sangue suja a roupa toda. (Stanislau Ponte Preta)

As mulheres começam por resistir aos avanços de um homem e terminam por bloquear a sua retirada. (Oscar Wilde)

− Nunca tive dinheiro até que arriei as calcinhas. (Sally Rand)

O homem de quarenta anos é o que está no ponto: tem mais educação, mais charme, mais postura – e mais dinheiro. (Mae West)

− Um ladrão roubou o cartão de crédito de minha mulher. E quer saber de uma coisa? Está gastando menos que ela! (Henny Youngman)

A diferença entre o divórcio e a separação legal é que a separação legal dá ao marido tempo para esconder o dinheiro. (Johnny Carson)

− Não há nada errado com minha mulher que um milagre não possa curar. (Henny Youngman)

Existem umas feias potáveis. Mas a maioria só serve mesmo é para fazer sabão. (Vinícius de Moraes)

− Sou a favor de famílias grandes. Todo mulher deveria ter pelo menos três maridos. (Zsa Zsa Gabor)

A guerra entre os sexos é a única em que ambos os lados dormem regularmente com o inimigo. (Quentin Crisp)

− Um marido pode galinhar à vontade, mas, se sua mulher o trai umas dezenove ou vinte vezes, é chamada de piranha. (Joan Rivers)

A única diferença entre certas mulheres e o abutre é o esmalte de unhas. (Robert Upton)

− Não gosto de saber o que as pessoas dizem pelas minhas costas. Posso ficar vaidoso. (Oscar Wilde)

Nem toda mulher num chinelo velho pode aspirar a ser Cinderela. (Don Marquis)

quarta-feira, 20 de julho de 2011

terça-feira, 19 de julho de 2011

A PERGUNTA

As palavras possuem poderes mágicos. Eles estavam deitados na cama, de conchinha. Um corpo transmitia calor para outro. O cenário perfeito para o amor. Sussurrando, ela fez a pergunta:

− Arthur, você está me traindo?

As palavras são campo minado. Foi como se o mundo tivesse congelando. Talvez pior. Pior do que isso somente o inferno. Demorou, mas havia chegado a hora do juízo final.

− Que absurdo! De onde você tirou essa idéia ridícula?

As palavras aprisionam. Ela não fez nenhum esforço para se libertar do abraço. Mas sentiu um movimento involuntário, ele estava apertando−a com uma força inadequada para aquele momento.

− Joana me disse que viu você com outra. Em um motel.

As palavras diminuem a luz, trazem a escuridão para perto. Nenhum argumento consegue demolir a acusação formulada por testemunha.

− Joana é uma fofoqueira, dá tudo para ver o circo pegar fogo. Você sabe disso. Ninguém consegue esquecer que foi ela quem inventou aquela nojeira sobre o Armando.

As palavras anunciam a destruição. Ainda bem que ele teve presença de espírito para contra−atacar. Não era a melhor solução, mas servia para lançar uma pitada de dúvida no caldeirão de intrigas em que ele estava sendo cozinhado.

− Ela disse que conhece a pessoa que estava com você.

As palavras subtraem. Não importa: é preciso negar, negar tudo. Independente do que ela diga, a regra é inflexível: negar, negar sempre.

− Que absurdo! Acabei de passar quinze dias em São Paulo. Como é que ela pode ter me visto em um motel?

As palavras traem. Mal terminou de falar e já estava arrependido. Na tentativa de se livrar da acusação, acabou mergulhando no fogo.

− O problema é esse: ela estava em São Paulo na semana passada.

As palavras condenam. Ele não conseguiu esconder o silêncio no meio das frases pronunciadas, no meio de alguns sons desconexos com os fatos.

− O quê? E você acreditou nessa coincidência? Em uma cidade com sei eu lá quantos milhões de habitantes, ela conseguiu me ver em um motel?

As palavras são sinônimas do espanto. A melhor tática é o uso da lógica, o afastamento imediato de qualquer duvida.

− Ela disse que fotografou você.

As palavras anunciam a morte. A situação estava começando a ficar fora de controle. Se ele não encontrasse alguma forma de reverter a avalanche, nada mais restaria senão o ouvir as acusações maldosas, repetir aos gritos as mágoas que não cicatrizaram.

− Mentira! Quer dizer... Só pode ser mentira.

Muitas vezes sobram palavras. Poderia ter ficado calado. Não ficou. Fazia parte de sua estratégia preencher as lacunas.

− Eu vi as fotos.

Muitas vezes faltam palavras. A afasia é angustiante. Mais angustiante do que isso foi vê−la se levantar, vestir a roupa, sair do quarto, ouvir a porta batendo.

Quando estamos sozinhos as palavras são inúteis.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

HOGWARTS


Fui ao cinema no sábado, sessão das 14:00 horas. Antes, na noite anterior, assisti o DVD com a primeira parte de Harry Potter e as relíquias da morte. Enquanto comia pedaços de ciabatta e bebia guaraná Antarctica, fui relembrando os acontecimentos. Não que os tivesse esquecido, queria era estabelecer o contato com aquele conjunto de detalhes que dão cor a uma narrativa.

Munido de um pacote enorme de pipoca e lata de coca−cola, entrei na sala de cinema. Fui recebido com aquele olhar de desprezo que os jovens costumam marginalizar os "velhos". A idade média do publico não ultrapassava os quinze anos. Obviamente outros adultos também estavam ali para assistir ao filme. Mas todos tinham alguma desculpa aceitável: acompanhar os filhos, os amigos dos filhos, os irmãos mais novos. Eu era o único adulto sem "muletas". E isso significava apenas uma coisa: alvo perfeito para a hostilidade. Fingi que não era comigo, sentei na poltrona e esperei o inicio da projeção – que não demorou. Nesses anos todos, li os livros que integram a saga Harry Potter com ansiedade, com alegria, com prazer. Também acompanhei as versões cinematográficas. Duas delas, assisti pela primeira vez em Joinville; outras duas em Florianópolis. De vez em quando, nessas reprises de televisão, confundo os rostos de Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rubert Grint com os de Harry Potter, Hermione Granger e Ronald Weasley.

Harry Potter e as relíquias da morte é um filme sombrio − como se o espectro de Severo Snapes (Alan Rickman) contaminasse a tudo. Faltam cores. Faltam situações mais amenas. Sobra violência. E talvez essa característica seja a melhor parte do filme. Imitando um farvestão mal−resolvido − desses em que o duelo entre o bandido e o mocinho não constituí o desfecho da narrativa, apenas o gancho para que a tortura continue mais um pouco – o melhor da festa está nos truques mágicos com varinhas de condão, nas explosões, muitas explosões, e nos duendes, cobras, aranhas, monstros e dragões. A batalha feérica em torno de Hogwarts (lembrando rapidamente cenas de O Senhor dos Anéis) impressiona por diversos motivos. Como se lutar pela verdade (ou por aquilo que se acredita ser a verdade) fosse algo asséptico, essa parte do filme mostra intenso poder de destruição física, alguns poucos mortos e quase nenhum sangue. Envolta no lúdico alienado, a morte foi convertida em item de videogame, basta mudar de fase e tudo volta ao normal. Mas esse detalhe não é um fenômeno isolado: a cicatriz na testa de Harry ou o preconceito contra os sangue−ruins, que caracterizam metáforas da exclusão, desaparecem da discussão. Substituídas pelo tema universal, a sobrevivência, essas discussões foram diluídas. Enquanto o castelo vai sendo demolido, outras malvadezas vão sendo perpetuadas – o espectador, anestesiado pelas cenas de ação, perde o contato com o que é importante.

A grande novidade talvez seja a de que um dos personagens secundários se transforma em protagonista. Neville Longbottom (Matthew Lewis) surge no meio dos escombros da guerra como líder, como aquele personagem que é capaz de manter a sanidade no meio da confusão. É ele que organiza a resistência contra Valdemort. É ele, como se fosse o quarto mosqueteiro (aquele que - divertido trocadilho - ninguém lembra o nome), que aparece para ajudar os três heróis principais.

O fim da série Harry Potter foi satisfatório. Foi com esse pensamento que deixei a sala de cinema. Como sempre, a versão literária é infinitamente superior. Mas, de modo geral, o filme é bom. Embora carregue um resíduo de "quero mais". O que é impossível, pois J. K. Rowling aposentou Harry Potter. Fazer o quê? De qualquer maneira, sentirei saudades de, por exemplo, a Murta−que−geme, aquela garotinha com jeito de normalista, que mora no banheiro. Também eram divertidas as partidas de quadribol ou aqueles jornais em que as fotografias são hologramas. Por fim, deixei a sala de cinema parafraseando Manuel Bandeira: Em Hogwarts tem tudo / é outra civilização. (...) E quando eu estiver mais triste / mas triste de não ter jeito. (...) Vou-me embora para Hogwarts.

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Quando algum pai (ou mãe) perdido no tempo e no espaço me pergunta quais os melhores livros para incentivar a leitura em adolescentes, sempre respondo Harry Potter, O Senhor dos Anéis e, mais recentemente, As crônicas de gelo e fogo. Não raro recebo olhares de reprovação. Sei que, por um discutível patriotismo, deveria enumerar alguns autores nacionais (inclusive Monteiro Lobato, Marcos Rey e Thalita Rebouças), mas... O poder da fantasia é o que garante o prazer de ler. Sem isso, todo esforço é em vão.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

NÃO FUI À FLIP

Não fui à Festa Literária Internacional de Paraty. Aliás, nunca fui à FLIP. Nem mesmo conheço Paraty. Azar o meu. Mais uma vez perdi a oportunidade de – hereticamente − misturar algumas das cachaças produzidas na região com limão galego e um pouco de açúcar (naqueles dias em que a consciência "verde" se manifestar com mais força, açúcar mascavo). Na mesa do restaurante estaria cercado de amigos ocasionais − aqueles com quem gostaria de conversar sentados a uns dez poetas de distância. Para não ficar bêbado logo, caberia pedir, como acompanhamento, algumas postas de peixe frito. Ou casquinhas de siri. Camarão não gosto, mas tenho certeza que alguém solicitaria várias porções. A mesa cheia de copos, pratos, talheres, garrafas de sucos diversos. A conversa se estenderia até onde pudesse, envolvendo o fim de tarde. O sol e o tempo desaparecendo no horizonte, a preguiça pedindo um bom sono, o corpo se equilibrando nas pedras que compõem as calçadas da cidade.

Não fui à FLIP. Perdi a chance de conhecer, ao vivo e em cores, algumas figurinhas carimbadas desse álbum que chamam de literatura. Não tive a oportunidade de aplaudir Mestre Antonio Cândido. Teria sido ótimo vibrar com as histórias de João Ubaldo Ribeiro. Fiquei sem o autógrafo de James Ellroy. Desperdice a possibilidade de estar próximo de Pola Oloixarac, um espécime raro (em vários sentidos). Também escapei de assistir ao choro (éca!) de walter hugo mãe. Se encontrasse Laura Restrepo, far−lhe−ia perguntas sobre a culinária de Colômbia. Estive ausente no momento em que o Manuel da Costa Pinto (que até então fazia pose de bom moço) ofendeu o Claude Lanzmann (que, depois, retribuiu o agrado disparando um certeiro "estúpido").

Não fui à FLIP. Muitas festas, palestras para assistir, happenings diversos e variados. Estive ausente em toda essa intensa movimentação social. Faltei em algumas trambicagens culturais (oportunidades para acertar algum negócio: cursos de redação criativa, aulas). Vestindo a máscara de aprendiz de intelectual terceiro−mundista deixei de comparecer às leituras públicas e aos recitais de poesia − ocasiões em que qualquer cara de pau pode fazer comentários e perguntas aparentemente geniais. Ao ficar em casa, não me foi possível exercitar meu péssimo inglês com algum convidado da festa, os erros crassos de gramática atrapalhando (e unindo) a nossa conversa.

Não fui à FLIP. Considerando o resíduo romântico que edulcora a cultura brasileira, talvez tenha perdido a oportunidade de conhecer a princesinha que encantaria esse bosque em que vivo (na intimidade, o chamo de solidão). Um dia, no meio da manhã, em um evento menos badalado, não seria possível descartar a possibilidade de alguma mulher bonita e carinhosa (talvez Pola!) olhar para o lado. Por sorte ou coincidência, olhar para mim e descobrir algum encanto que nenhuma outra mulher descobriu antes. Eu, se lá estivesse, olharia para ela − e teria a certeza de que não mais existiriam motivos para se preocupar com o que está acontecendo no mundo. Que a Grécia decrete a bancarrota, que a Itália seja invadida pelos albaneses, que a direita domine a França – só me interessaria, naquele momento, as delícias do amor, uma fome repentina, dessas que precisam ser repartidas. Um bistrô simpático ali na outra quadra, será quê?

Não fui à FLIP. Depois de todas as emoções, ressacas e namoros, o limite do cartão de crédito estourado, somente restaria voltar para casa − de ônibus, quase um dia dentro daquela lata de sardinha −, excesso de bagagem causado pela pilha de livros autografados.

Não fui à FLIP. E, por algum motivo, desses que são difíceis de explicar, estou contente.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

quarta-feira, 13 de julho de 2011

AS AVENTURAS DA MULHER BERGAMOTA NO REINO DO BETÃO DA PENHA (farsa em quatro atos)

ATO 1

No meio de fogoso amasso, Margarida Açucena exigiu fidelidade exclusiva. Disse, assim como quem não quer nada e sonha em ter tudo, que "estava cansada de ser trocada por qualquer vagabunda". E que, se ele não "se emendasse", poderia tirar o cavalinho da chuva que daquele mato nunca mais sairia coelho.

Essa declaração amistosa destruiu o clima de romance que pairava no ar. Adepto de um modo de vida, cuja regra número um era "macho nasceu livre pra gauderiar na pampa", Betão da Penha coçou o nariz, a orelha e o cabelo. E disse para si mesmo: "Mas u quiéra qui essa muié qué?". Trinta segundos depois, fez nova pergunta retórica: "E, di mais a mais, quem é qui essa guria tá pensando qui é?".

Como era um "homem de veneta", saiu da cama, vestiu as roupas, calçou as botas. Com o lenço colorado pensou em estrangular a sirigaita, mas desistiu porque "china" daquele feitio dava mais do que chuchu na serra e, graças a Deus, a sua horta estava em plena safra.

Disse "Inté" e foi embora, batendo os cascos e a porta. Furioso, seus passos firmes e determinados fizeram a casa de madeira estremecer. A porta ficou entreaberta.

Como tinha deixado o tordilho em casa, nada mais lhe restou senão esperar pelo ônibus. Encostado em um poste, tirou do bolso um pedaço de fumo em corda e palhas de milho. Com o canivete amaciou a palha, picou um pouco de fumo. Preparou o "paieiro" com carinho e esmero. Depois, tirou do outro bolso o "avio". Com a chama queimou a ponta do cigarro e as (boas) lembranças de uma história amorosa.

Entre longas baforadas, pensou no que havia acontecido um pouco antes. Quer dizer, pensar ele não pensou muito, como dizia o seu falecido pai, "Quem força a cachola acaba com dor de cabeça". E, para evitar a "fiasquera", entrou no boteco mais próximo e pediu um "martelinho de canha" para amortecer o descontentamento. Bebeu gute−gute, o líquido queimando a garganta.

ATO 2

Depois de vinte minutos dentro do ônibus, desceu no centro da cidade. Foi dar uma "bombiada" nas vitrinas, espairecer. Diante das lojas, recordou de um tempo que só existia na sua lembrança. Passo a passo, caminhou pelas ruas, sem destino.

Foi diante da banca de jornais que o mundo perdeu o sentido. Ou melhor, passou a ter algum sentido. Em um cartaz, a mulher de seus sonhos. "Que potranca!", exclamou. E ao ver aquele corpo, ficou assanhado: "Oigalê, se pego essa prendinha, dou−lhe uns pranchaços, no mais, e levo pra casa pra tirá cria".

Todo prosa, iniciou a prosa:

− Ô xiru, adonde qui posso di incontrá essa guria?

− Quem? A mulher bergamota?

− Sei lá si é vergamota ou mixirica, comigo ela mexeu, tô inté co’as vontades qui nem vô ti contá, ô guapeca sarnento!

− O senhor quer comprar a revista?

− Que revista?

− Esta!

− Ah!

Depois de ter comprado a revista – em que a mulher bergamota mostrava tudo, absolutamente tudo –, o Betão da Penha perdeu o rumo e o prumo. As fotos o deixaram fora de controle. Por isso, quase enlouqueceu o funcionário da banca de jornais. Queria conhecer, ao vivo e em cores, a cabocla. "Minh’arminha du céu, quéru essa muié − nem qui tenha qui gastá uma trupilia, daquelas di patrão", gritou para que metade da cidade o ouvisse.

O vendedor, ensandecido com aquela situação, deixou escapar que a mulher bergamota trabalhava em um programa de televisão.

− O quê? Então esse xuxuzinho é guria de programa?

− O senhor não está entendendo. Não foi isso que eu disse.

− Disse sim.

− Não...

− Não me desminta, que de surdo nada tenho. E vá logo me dizendo em que casa essa menina trabaia. E diga logo, senão te passo o fuero, labasco!

Nesse momento, para alívio do rapaz e desagrado geral (uma platéia havia se formado nas imediações, apostando em quem venceria a briga), Pedro Alecrim fez valer a sua autoridade de vereador e presidente do Sindicato Rural.

− Que redivú é esse, seu Betão? Dexe di sê encanzinado e num gaste pórva cum chimango. Adonde é qui já si viu, um moço taludote como o sinhô, de currumaça no meio da praça. Pois pegue essa revista, essa indecência, e vá pra casa, home!

Sem alternativa, com o orgulho ferido, Betão pensou em dizer alguma coisa. Desistiu. Só iria piorar as coisas se começasse outra discussão.

Na volta para casa, dentro do ônibus, Betão quase estrangulou a revista, tamanha a força e a raiva com que a segurava. Espumando de raiva, não se conformava em não ter conseguido o endereço da mulher bergamota.

Mentalmente listou todos os locais onde poderia a encontrar. Depois de algum tempo, desistiu. "Só se for gado novo, por causa qui não alembro dessa pinguancha", disse, em voz alta, para espanto dos demais passageiros.

Perto de casa, no bar Gre-nal, pediu uma dose "daquela que matou o guarda" e colocou a revista sobre o balcão, com a capa virada para baixo. A soma de todos os incidentes da noite garantiram ao gaudério uma sede inesgotável. E, de martelinho em martelinho, o porre foi macanudo.

ATO 3

Na manhã seguinte, o efeito da ressaca parecia o encontro das águas do rio Amazonas com o Oceano Atlântico. Além do gosto de guarda−chuva na boca, mal−estar intestinal, sono interminável. Sem conseguir se lembrar dos acontecimentos da noite anterior, só percebeu que havia algo estranho quando se espichou na cama e o pé bateu em alguma coisa. "Que diacho esse relho faz aqui?", perguntou para as paredes. Morando sozinho há vários anos, Betão nunca conseguiu perder o costume de falar alto, como se estivesse cercado pela família.

Fortes batidas na porta anunciaram novos acontecimentos.

− Quequiéra?

A pergunta, feita em um tom de voz que lembrava a soma de mil trovões, intimidaria o presidente da República.

− Seu... Seu... Seu Bé... Bé...to.

− Infeliz, desembucha duma veiz!

− As pa... pa... passa... passagens.

− Tá loco? Num pidi passage arguma! Dexa vê essa porquera.

− ...

− Quiéquiéisso? Donde já si viu tamanha bobage? Mas nem di arrasto vô vuá, inda mais prá São Paulo, qui fica pra lá donde o diabo perdeu as bota. Diga pro teu patrão qui num queru mais! Qui tô devorvendu i num si fala mais nisso, entendeu, piá?


ATO 4

Palito entre os dentes, bombacha arregaçada na perna esquerda, chapéu de beijar santo em parede, chinelo de dedos, Betão da Penha entrou no bar Gre−nal. Foi saudado pelos presentes com vários gritos de alegria. "Uquiéra isso?", perguntou, inocente. "Ora, seu Beto", disse Tunico Manjericão, atrás do balcão, o pano de prato na mão direita, um copo molhado na outra. "Num seje acanhadu. Até mandei comprá televisão nova prá vê vancê".

Betão da Penha tirou o palito da boca, umedeceu os lábios, pensou nas bobagens que poderia ter feito na noite anterior, sentou perto do balcão, fez um sinal para lhe servirem uma dose de Oncinha e perguntou:

− U Tunico, quié qui’conteceu ontem?

− Qué dizê que ocê num lembra di nada?

− Lembrá di que, homi?

− Ora...

− Num gostei desse teu jeito! Até pareci qui ocê qué forra a guaiaca nas minhas custas. E, como essa história tá mar dizida, desembuche duma veiz, senão num respondo pelo qui pódi contecê!

Tunico, para não arriscar a pele, contou tudo.

− Vosmicê chego aqui mais desenxavido qui guapéca adispois qui levô chute. Tomô cachaça até num querê mais, cada talagaçu qui nem ti conto. Aí começô a mostrá pra todo mundo a revista, qué dizê, a muié pelada. Bêbo, gritava qui tava cum vontadi di dá um pegão naquele corpinho. E qui daria, custasse o que custasse. Aliás, quando o Pedro Tiririca chego, cê tiro a cartera du borso e, cumu ele trabaia naquele lugá que vendi passage, cê pidiu o preço duma viagem pra... sei lá pronde... adonde mora a tar rapariga qui, ô coisa gotosa di si vê, tava mostrando tudinho na revista. Adispois, pagô rodada di canha prô pessoar e avisô qui’ria parecê na televisão. Domando a potra, num tar di "Programa M" − "M" di macho, qui num é pra ninguém tê mar pensamento."

Nesse ponto, Tunico Manjericão interrompeu a narrativa, tomou um gole de água mineral sem gás, pensou em como arrematar a história e continuou:

− Nessa hora, chego a Soninha Alicate. Quiria comprá cigarro. Vancê pidiu mais cachaça, pego o avio e, enquanto acendia o oliu da guria, falô arguma coisa nu orvido dela. Sei lá o que vanceis cunversaram, num custumu metê o bedelho na vida aieia, mas sempre sobra arguma coisa nu ar, cê sabi cumu é qui é, num sabi? Entonces, vanceis isqueceram di oiá pru mundu e, mi adescurpe dizê essas coisa, sô um homi di paiz, num queru intriga cum ninguém, muito menos cum vosmice, qui é meu cumpadre, mas vanceis... ora, cê sabi o qui aconteci quando um homi e uma muié ficam enrabichados. O pessoar qui tava jogando dominó até comentô qui aquilo era uma poca−sem−vergonhice i qui o finar daquilo só pudia ser as canhadas ou um vassorar, purque entourada a chinóca já tava e vancê num parecia querê perdê a carga das bruacas. Quando vanceis saíram tevi genti qui si benzeu, pensando qui o pixurum seria dus grandi. Vancê tem certeza que num si alembra du qui conteceu adispois?

Bocejando, Betão da Penha baixou os olhos, pegou o chapéu de cima do balcão e caminhou até a porta. Lá se espreguiçou. Um sorriso rápido atravessou o seu rosto.

terça-feira, 12 de julho de 2011

LEITURAS

No entender de alguns teóricos, os recursos multimídias (televisão, cinema, internet) estão devorando os últimos leitores e decretando a morte do livro.

Teria esse raciocínio algum fundamento? Sim e não.

Obviamente, o mundo está em transformação e poucos conseguem, por exemplo, ter tempo e paciência para ler um romance como A montanha mágica, de Thomas Mann (801 páginas, letra pequena). Tempo é dinheiro, proclamam os proprietários da casa grande e senzala em que vivemos. E isso significa que, na modernidade, tudo é rápido, fugaz, embriagador. A velocidade determina as prioridades e a moda (que está em constante mutação, glorificando o descartável).

Na contracorrente desse pensamento, o leitor não é um "animal em extinção" Basta ver a opinião de alguns especialistas no tema: Umberto Eco e Jean−Claude Carrière (Não contem com o fim do livro. Editora Record, 2010) ou Robert Darnton (A questão dos livros. Companhia das Letras, 2010).

Mas, não é somente isso. Ler é uma atividade relacionada com o conceito de inclusão. Ou seja, ler é estar inserido no mundo. Assistir um filme é também uma forma de leitura. Da mesma forma, é possível "ler" um mapa ou o destino (nas linhas da palma da mão), o clima (os meteorologistas) ou as doenças (os médicos). Tudo na vida é leitura.

Ler é uma forma de investimento. Só se adquire informações através da leitura. E o nosso futuro está intimamente relacionado com o conhecimento e a forma como aplicamos esse saber no universo em que nos movimentamos.

A leitura abre a mente do leitor para outro mundo, para a diversidade intelectual. E isso se aplica inclusive às revistas "culturais" (aquelas que mostram "artisticamente" o corpo de algumas alpinistas sociais) ou ao gibi do filho.

Exceto nos regimes fascistas, não há lugar onde a leitura seja proibida: no banheiro, na fila do banco, no ônibus. Em qualquer tempo e lugar a leitura é um prazer.

Resumo da ópera: não é a modernidade que nos afasta da leitura. O progresso está fornecendo outras linguagens, outras formas de interpretar as transformações que estão sendo processadas diariamente. O que o homem moderno precisa é aprender a "ler". Só assim, quando descobrir esses novos códigos de comunicação, é que conseguirá interpretar o que está acontecendo ao seu redor.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O INSENSATO CORAÇÃO DA FRATERNIDADE

A difícil arte de contar a mesma história, mas de modo diferente, encontrou − mais uma vez − abrigo em telenovela da Rede Globo: Insensato Coração. Combinando inúmeros temas, os autores do folhetim televisivo, Gilberto Braga e Ricardo Linhares, concentraram parte do enredo nos conflitos familiares, principalmente as desavenças entre irmãos. Sem a mínima piedade, dissecaram aquilo que os ingênuos chamam de amor fraterno. Dissecar não é um verbo exagerado neste assunto. Muito pelo contrário. De acordo com fórmula clássica elaborada por Tolstoi, Todas as famílias felizes são parecidas entre si. As infelizes são infelizes cada uma a sua maneira, os destemperos familiares constituem o meio de cultura perfeito para o desenvolvimento da tragédia (e, conseqüentemente, de sua irmã gêmea, a comédia).

No momento em que a loucura se confunde com o desejo de vingança (o que é comum quando o espaço familiar se transforma em campo de batalha) não sobra espaço aos comedimentos, às gestões diplomáticas. As discussões ocorrem em voz alta, alterada, próxima do ataque físico, a um passo do desejo de ver o sangue escorrer pela face do adversário, perdão, do inimigo. Inimigo também não é adjetivo excessivo. Na contemporaneidade, repleta de pessoas que sonham em transformar a vida dos outros em inferno, o empurrão na direção do abismo é apenas uma questão de oportunidade.

As crises familiares estão imunes ao desgaste do tempo. Mudam os detalhes, a espinha dorsal do desentendimento permanece imutável. E a cada vez que o conflito se repete, o imaginário popular recorda histórias antigas, os desmoronamentos afetivos e físicos comprovando que o mundo doméstico ainda não foi domesticado.

A fraternidade talvez seja a ramificação mais significativa desse tipo de desavença, principalmente porque pais e as mães, por motivos diferentes, alguns completamente desvinculados do bem-estar da prole, gostariam de impor o amor fraterno como regra incondicional de conduta para seus herdeiros. Milagres não acontecem. O ambiente familiar é competitivo, um grama de atenção equivale a uma tonelada de satisfação. Por isso, em algumas circunstâncias, através de jogos perversos, misturando atração e repulsão, os pais estabelecem alianças temporárias com os filhos. Independente do lado que defendam, porque o objeto em disputa somente interessa aos pais, os filhos são perdedores nesse sistema de manipulação dos afetos.

Ao navegar nesse mar revolto, os responsáveis por transportar a carga genética que vai garantir a continuidade do patronímico recebem uma lição de sobrevivência emocional: a felicidade está ligada com a necessidade de competir pelo amor paterno/materno e, conseqüentemente, superar o irmão. Aquele que deveria ser um companheiro se transforma em adversário imediato.

Esse quadro se torna mais nítido quando pais e mães estabelecem um sistema de recompensas e punições para os filhos. Fingindo aplicar um método educativo (que é constantemente rompido pelos educadores), o autoritarismo familiar poucas vezes leva em consideração as lacunas emocionais que causam naqueles que são castigados.

(Para quem discorda dos três parágrafos acima, uma recomendação cinematográfica: O vencedor [The fighter]. Dir. David O. Russell, 2010)

Ressentimento, ciúme, egoísmo e ambição. Protegidos por esse conjunto de sentimentos, os integrantes da fraternidade costumam criar redes de proteção contra novos desapontamentos. Ou seja, salvo raríssimas exceções, ou casos de agressões promovidas por terceiros, o sibling (palavra oriunda do inglês arcaico e que designa irmãos e irmãs que não são gêmeos) prefere ficar bem longe do entendimento fraterno. Diante do irmão, necessitando escolher entre um gesto de amizade e a ofensa, a prática usual confirma a segunda opção – sem arrependimentos, sem a mínima culpa. Inclusive porque as ações ofensivas estão conectadas com o instinto, que é algo difícil de ser controlado.

Resumindo, a fraternidade possui mais afinidades com a divisão do que com a adição.

Nesse cenário, as produções televisivas (que embaralham literatura, dramaturgia e cinema) surgem como instrumental à disposição daqueles que gostam de mexer nas feridas, a ponta do bisturi revelando o tecido necrosado.

Um dos núcleos da telenovela Insensato Coração está concentrado na família Brandão. Nos primeiros capítulos, as desavenças entre Raul (Antonio Fagundes) e Umberto (José Wilker). Misturando problemas econômicos e questões amorosas complicadas, não­resolvidas (no imaginário fraterno, as cunhadas integram o território em disputa), os dois homens estão unidos por um passado que os desunem. Cercados por dívidas afetivas e dúvidas sobre qual a melhor forma de machucar o irmão, perdem o ritmo da vida, esquecem que existe beleza fora da esfera competitiva. Concentrados em ações (preventivas, punitivas, maldosas) violentas, confirmam que, ao enfrentar as tensões emocionais, poucos conseguem manter a racionalidade. E, por vias transversas, ao reproduzirem esse esquema perverso, convidam a barbárie para entrar pela porta da frente da vida familiar.

As relações afetivas entre os filhos de Raul, Pedro (Eriberto Leão) e Leonardo (Gabriel Braga Nunes), estão um degrau abaixo – embora a imagem especular revele maniqueísmo narrativo mais explícito, o velho truque de dividir a vida entre o "bem" e o "mal". Nesse sentido, o personagem idealizado precisa apresentar algumas qualidades: bom moço, filho exemplar, capaz de atrair as simpatias gerais. Cabe a Pedro esse papel. No outro lado da moeda está gravada a face de Leonardo. Empreendedor, Leo ambiciona o sucesso econômico a qualquer preço. E isso significa que fracassa constantemente – para desgosto de seu pai. Enquanto Pedro é cheio de virtudes (heróico, consegue impedir um seqüestro aéreo!) e acredita na bondade humana, Leonardo é ardiloso, dissimulado, como o gato que dá o tapa e esconde a pata.

Através desses dois pares antagônicos, a telenovela explorou a colisão de interesses entre os irmãos até a exaustão. Nenhuma novidade. A literatura sobre o tema é farta. No Brasil, os romances Esaú e Jacó (Machado de Assis), A gaiola de Faraday (Bernardo Ajzenberg), À margem da linha (Paulo Rodrigues) e Dois irmãos (Milton Hatoum), entre outros, discutem diversos aspectos desse litígio. No entanto, para aqueles que estão interessados no assunto, os modelos comportamentais mais significativos estão na mitologia grega. É possível encontrar histórias para todos os gostos. Basta escolher a perversidade, perdão, as divergências e, claro, os momentos de ternura.

Infelizmente, antes que o gosto amargo da realidade destrua os sonhos românticos, muitos preferem consumir a doçura protagonizada pelos gêmeos bivitelinos Castor e Pólux. Filhos da mesma mãe, Leda, os rapazes estão separados por uma contingência genética possível, mas muito rara: pais diferentes. Essa situação atípica resulta em desequilíbrio fraterno: Pólux é semi­deus; Castor, mortal. Companheiros de todos os instantes, não hesitam em desfrutar de uma vida cheia de aventuras. Participaram da expedição dos Argonautas. A última travessura dos gêmeos ocorre durante as bodas de seus primos Idas e Linceu. Enamorados pela beleza das nubentes, as irmãs Febe e Hilaíra, os gêmeos não hesitaram em raptá-las. Descobertos, entraram em luta corporal com os noivos. Castor é ferido mortalmente. Pólux, inconsolável por ter sido separado do irmão, solicitou a seu pai, Zeus, senhor do Olimpo, que lhe fosse permitido trocar a vida pela do meio-irmão. Zeus recusou o pedido e os transformou na constelação Gemini.

Entre os casos mais próximos do horror, merece destaque a história de Atreu e Tiestes. Quando o trono de Micenas ficou vago, os irmãos entram em guerra silenciosa. Depois de muitas agressões mútuas, firmam um acordo: assumirá o governo quem conseguir encontrar um velocino de ouro. Atreu cumpre a tarefa, mas é roubado por Aérope (sua esposa e amante de Tiestes). De posse do troféu, Tiestes reclama o trono e expulsa Atreu da cidade. Zeus, descontente com esse desfecho, intervém e restaura a ordem. Para comemorar, Atreu convida o irmão para um banquete de reconciliação. Depois que Tiestes se fartou com as carnes servidas, Atreu revela a composição do cardápio. Com as cabeças de três dos filhos do irmão (Aglau, Calilente e Orcómeno) na mão, torna público que o principal ingrediente dos afetos fraternos é a crueldade. Para completar a lição, decreta expulsão perpétua do Tiestes da cidade.

Agora que a novela está próxima do fim, o espectador percebe que pouco ou nada foi acrescentado no universo familiar: as mais torpes formas de violência apareceram na telinha. A insensatez não respeita corações apaixonados ou a fraternidade. Como lembra um personagem de John Updike: Ter um irmão ou uma irmã (...) não suaviza a alma, é o que me ensinou a vida. Eu tinha oito irmãos, alguns eram tímidos, outros desembaraçados, uns bons e outros não tão bons. Nós estávamos sempre roçando uns nos outros como pedras dentro de um balde, mas arenito continuou sendo arenito e quartzo continuou quartzo.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

LITERATURA ( E EJACULAÇÃO) PRECOCE

Uma das mais interessantes características literárias de França é o produzir escritores jovens, daqueles que frequentemente abordam temas pesados, sem medo de ultrapassar as barreiras que separam o tudo e o nada. No melhor estilo sexo, drogas e juventude não costumam economizar sentimentos e transgressões quando se trata de incendiar o papel com as angústias represadas na alma.

Essa tradição provavelmente começou com o arquetípico enfant terrible Jean−Nicholas Arthur Rimbaud (1854−1891). Depois de escandalizar Paris com versos absolutamente geniais e o tumultuado caso homossexual que teve com Paul Verlaine, abandonou a vida literária aos 20 anos e foi traficar armas em África. Raymond Radiguet (1903−1923) foi outro caso extremo: publicou uma obra−prima, O diabo no corpo (Le diable au corps), quando tinha 19 anos. Françoise Sagan (1935−2004) tornou−se conhecida aos 18 anos, com a publicação de Bom dia, Tristeza (Bonjour Tristesse). Um dos mais recentes casos de atividade literária precoce é Lolita Pille (nascida em 1982). Com uma linguagem contemporânea, onde os palavrões e as grifes desfilam ao lado da ausência de sentimentos emocionais, Hell Paris 75016, publicado aos 21 anos (e que ela sempre afirmou não ser autobiográfico), retrata o tedium vitae da geração que preenche a monotonia da vida com compras, festas, drogas e sexo.

Na literatura dos Estados Unidos esse fenômeno ocorre com menor regularidade, embora a temática (sexo e drogas) mantenha o vigor. Brett Easton Ellis (nascido em 1964) que o diga. O romance Menos que zero (Less than zero) foi publicado em 1985, quando ele tinha 21 anos. Outra figurinha rara nesse álbum é Nick McDonell (nascido em 1984) e que, aos 17 anos, em 2002, publicou Doze (Twelve).

No Brasil, os momento de antecipação literária estão restritos aos poetas românticos. Alguns casos clássicos: Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831−1852), Luís José Junqueira Freire (1832−1855), Casemiro José Marques de Abreu (1839−1860) e Antônio Frederico Castro Alves (1847−1871). Na atualidade, somente os "velhos" escrevem.

O último garoto prodígio da literatura francesa, Sacha Sperling (nascido em 1990), acaba de ser publicado no Brasil. O romance Ilusões Pesadas (Mes illusions donnent sur la cour: roman), publicado em França quando o autor tinha 19 anos, permite uma interessante comparação com a literatura brasileira.

Seguindo a fórmula clássica do bildungsroman (romance de formação) contemporâneo, Sacha abriu as comportas da represa e deixou que inundação destruísse o que estava pela frente. Pouca coisa sobra depois da última pagina. Infelizmente, pouca coisa boa sobra depois que a leitura acaba. A vida amorosa de um adolescente de 14 anos é dissecada com o bisturi da crueldade. Não poderia ser de outra forma. Livro escrito para chocar – mas não muito −, Ilusões Pesadas retrata a história do personagem Sacha, um rapaz bissexual. O uso do nome do escritor para designar o personagem, acrescido da narrativa em primeira pessoa, é proposital, nessa tática narcisista constante/cortante, característica do esvaziamento literário promovido pelo a−pós−o−modernismo. Sentindo prazer em embaralhar as cartas, como se o imaginário e o real fossem apenas um brinquedo, Sacha (o escritor?, o personagem?) anuncia na última página (em terceira pessoa): Saiba que o que ele lhe contou é provavelmente falso, pois a verdade sempre o amedrontou. É mais fácil para ele romancear uma realidade medíocre. Em outras palavras: leitor, azar se você, em algum momento, acreditou no pacto ficcional. Tudo é mentira, inclusive a mentira. O escritor, seguindo o ritmo épater le bourgeois, pouco está se lixando para você.

Do ponto de vista da construção narrativa, Ilusões Pesadas é uma pesada ilusão. Terminada a leitura somente sobra a lembrança do uso abusivo de elipses (para avançar no tempo ou para fugir do descritivo). A idéia geral (um caso de amor) não se concretiza. É apenas um choramingar vazio e tolo. Um episódio na vida de um adolescente rancoroso. E isso não difere de um exercício de digitação.

Por outro lado, o mais divertido dessa história é perceber que, se o livro fosse escrito por um brasileiro, provavelmente nunca seria publicado. Neste país, onde o analfabetismo funcional é regra geral, nossos adolescentes não escrevem (alguns não "sabem" escrever). Em caso excepcional, o surgimento de algum jovem capaz de escrever um romance de qualidade, provavelmente o livro jamais chegaria às mãos de alguma editora "decente" (quase todas preocupadas em publicar os últimos best−sellers estadunidenses ou europeus). Por último, como estamos mergulhados nesse ridículo que é o politicamente correto, um romance sobre alguns episódios da vida de um adolescente (14 anos) bissexual seria discriminado em todas as instâncias. As palavras pedofilia e homossexualismo surgiriam no horizonte como barreiras intransponíveis.

Eis a comparação, eis a comprovação: no mundo que globalizou a mediocridade, a França exporta escritores, o Brasil os acolhe.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

MÁXIMAS DO BARÃO DE ITARARÉ

Aparício Fernando de Brinkerholff Aporelly (1885−1971), o Barão de Itararé, cultivava um humor fino, cheio de sutilezas e trocadilhos. As suas "máximas", todas publicadas no jornal "A Manha", podem ser encontradas em um livro obrigatório para aqueles que apreciam o humor: "O Almanhaque".

O Barão de Itararé protagonizou muitas histórias malucas. Um desses episódios ocorreu na década de trinta, quando o "Jornal do Povo" (que durou apenas 10 números) publicou a terceira parte de uma imensa reportagem sobre a Revolta da Chibata − um dos grandes desastres da história militar brasileira. Descontentes com o texto, um grupo de oficiais da marinha seqüestrou Aporelly. Depois de espancarem o jornalista, cortaram seus cabelos e o abandonaram em um beco, só de cuecas (uma humilhação terrível para a época). No dia seguinte, quando voltou à redação, Aporelly mandou colocar um aviso na porta de sua sala: "Entre sem bater".


Frases

− "Pobre quando mete a mão no bolso, só tira cinco dedos".

− "De onde menos se espera, daí é que não sai nada".

− "Negociata é um excelente negócio para o qual não fomos convidados".

− "Houve um tempo em que os animais falavam; hoje, eles escrevem".

− "Cão que ladra não morde. Mas não convém facilitar, porque deve haver por aí muito cão analfabeto que não conhece esse belo provérbio".

− "O homem que se vende recebe sempre mais do que vale".

−"Desgraça de jacaré são essas bolsas de couro".

− "Essa mundo e redondo, mas está ficando muito chato".

− "A conversa prejudica o trabalho. Deixe, portanto, de trabalhar sempre que quiser conversar".

− "O Estado Novo é o estado a que chegamos".

− "A vida pública é, na verdade, a continuação da privada".

− "Ninguém consegue nada na vida sem dois defeitos: a curiosidade e a insatisfação".

− "Anistia é um ato pelo qual o governo resolve perdoar generosamente as injustiças que ele mesmo cometeu".

− "A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana".

− "Há algo no ar, além dos aviões de carreira".

− "O voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim o eleitor afinal terá vergonha de votar no seu candidato".

− "Primos e parentes é que sujam a casa".

− "Mais vale um galo no terreiro que dois na testa".

− "Quem empresta, adeus...".

− "Dize−me com quem andas e eu te direi se vou contigo".

− "Só o que bota pobre pra frente é empurrão".

− "As pessoas de bem costumam falar mal dos vagabundos. Mas não é por mal. É por inveja".

− "Precisa−se de uma boa datilógrafa. Se for boa mesmo, não precisa ser datilógrafa".

− "Nada mais triste para um moço de caráter bem−formado que se casa por amor, puro e sincero, e verificar, depois de alguns dias de casado, que sua querida esposa não tem nem a metade do dinheiro que ele supunha".

− "Com as crianças é necessário ser psicólogo. Quando uma criança chora, é porque quer bala. Quando não chora, também".

− "Um bom jornalista é o sujeito que esvazia totalmente a cabeça para o dono do jornal encher nababescamente a barriga".

− "O mal do governo não é a falta de persistência, mas a persistência na falta".

− "Quando uma estrela de Hollywood se vê obrigada a usar o mesmo marido durante dois anos, é sinal evidente de que ela está em grande decadência".

− "Tudo seria fácil se não fossem as dificuldades".

− "Quem não tem calos é um desgraçado que desconhece o prazer de tirar os sapatos ao chegar em casa".

− "Para as mulheres os velhos são de duas categorias: os insuportáveis e os ricos".

− "As mulheres preferem os homens forte e de compleição atlética. São os que melhor lhes carregam as malas e os móveis nas mudanças".

− "Quem foi mordido de cobra até de minhoca tem medo".

− "A esperança é o pão sem manteiga dos desgraçados".

− "O tambor faz muito barulho, mas é vazio por dentro".

− "Basta um frade ruim para dar o que falar a um convento".

− "Palavras cruzadas são a mais suave forma de loucura".

− "A forca é o mais desagradável dos instrumentos de corda".

− "Quando pobre come galinha, um dos dois está doente".

− "O fígado faz muito mal à bebida".