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sexta-feira, 8 de julho de 2011

LITERATURA ( E EJACULAÇÃO) PRECOCE

Uma das mais interessantes características literárias de França é o produzir escritores jovens, daqueles que frequentemente abordam temas pesados, sem medo de ultrapassar as barreiras que separam o tudo e o nada. No melhor estilo sexo, drogas e juventude não costumam economizar sentimentos e transgressões quando se trata de incendiar o papel com as angústias represadas na alma.

Essa tradição provavelmente começou com o arquetípico enfant terrible Jean−Nicholas Arthur Rimbaud (1854−1891). Depois de escandalizar Paris com versos absolutamente geniais e o tumultuado caso homossexual que teve com Paul Verlaine, abandonou a vida literária aos 20 anos e foi traficar armas em África. Raymond Radiguet (1903−1923) foi outro caso extremo: publicou uma obra−prima, O diabo no corpo (Le diable au corps), quando tinha 19 anos. Françoise Sagan (1935−2004) tornou−se conhecida aos 18 anos, com a publicação de Bom dia, Tristeza (Bonjour Tristesse). Um dos mais recentes casos de atividade literária precoce é Lolita Pille (nascida em 1982). Com uma linguagem contemporânea, onde os palavrões e as grifes desfilam ao lado da ausência de sentimentos emocionais, Hell Paris 75016, publicado aos 21 anos (e que ela sempre afirmou não ser autobiográfico), retrata o tedium vitae da geração que preenche a monotonia da vida com compras, festas, drogas e sexo.

Na literatura dos Estados Unidos esse fenômeno ocorre com menor regularidade, embora a temática (sexo e drogas) mantenha o vigor. Brett Easton Ellis (nascido em 1964) que o diga. O romance Menos que zero (Less than zero) foi publicado em 1985, quando ele tinha 21 anos. Outra figurinha rara nesse álbum é Nick McDonell (nascido em 1984) e que, aos 17 anos, em 2002, publicou Doze (Twelve).

No Brasil, os momento de antecipação literária estão restritos aos poetas românticos. Alguns casos clássicos: Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831−1852), Luís José Junqueira Freire (1832−1855), Casemiro José Marques de Abreu (1839−1860) e Antônio Frederico Castro Alves (1847−1871). Na atualidade, somente os "velhos" escrevem.

O último garoto prodígio da literatura francesa, Sacha Sperling (nascido em 1990), acaba de ser publicado no Brasil. O romance Ilusões Pesadas (Mes illusions donnent sur la cour: roman), publicado em França quando o autor tinha 19 anos, permite uma interessante comparação com a literatura brasileira.

Seguindo a fórmula clássica do bildungsroman (romance de formação) contemporâneo, Sacha abriu as comportas da represa e deixou que inundação destruísse o que estava pela frente. Pouca coisa sobra depois da última pagina. Infelizmente, pouca coisa boa sobra depois que a leitura acaba. A vida amorosa de um adolescente de 14 anos é dissecada com o bisturi da crueldade. Não poderia ser de outra forma. Livro escrito para chocar – mas não muito −, Ilusões Pesadas retrata a história do personagem Sacha, um rapaz bissexual. O uso do nome do escritor para designar o personagem, acrescido da narrativa em primeira pessoa, é proposital, nessa tática narcisista constante/cortante, característica do esvaziamento literário promovido pelo a−pós−o−modernismo. Sentindo prazer em embaralhar as cartas, como se o imaginário e o real fossem apenas um brinquedo, Sacha (o escritor?, o personagem?) anuncia na última página (em terceira pessoa): Saiba que o que ele lhe contou é provavelmente falso, pois a verdade sempre o amedrontou. É mais fácil para ele romancear uma realidade medíocre. Em outras palavras: leitor, azar se você, em algum momento, acreditou no pacto ficcional. Tudo é mentira, inclusive a mentira. O escritor, seguindo o ritmo épater le bourgeois, pouco está se lixando para você.

Do ponto de vista da construção narrativa, Ilusões Pesadas é uma pesada ilusão. Terminada a leitura somente sobra a lembrança do uso abusivo de elipses (para avançar no tempo ou para fugir do descritivo). A idéia geral (um caso de amor) não se concretiza. É apenas um choramingar vazio e tolo. Um episódio na vida de um adolescente rancoroso. E isso não difere de um exercício de digitação.

Por outro lado, o mais divertido dessa história é perceber que, se o livro fosse escrito por um brasileiro, provavelmente nunca seria publicado. Neste país, onde o analfabetismo funcional é regra geral, nossos adolescentes não escrevem (alguns não "sabem" escrever). Em caso excepcional, o surgimento de algum jovem capaz de escrever um romance de qualidade, provavelmente o livro jamais chegaria às mãos de alguma editora "decente" (quase todas preocupadas em publicar os últimos best−sellers estadunidenses ou europeus). Por último, como estamos mergulhados nesse ridículo que é o politicamente correto, um romance sobre alguns episódios da vida de um adolescente (14 anos) bissexual seria discriminado em todas as instâncias. As palavras pedofilia e homossexualismo surgiriam no horizonte como barreiras intransponíveis.

Eis a comparação, eis a comprovação: no mundo que globalizou a mediocridade, a França exporta escritores, o Brasil os acolhe.

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