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terça-feira, 5 de julho de 2011

O INTENDENTE E SONINHA ALICATE

I
Pedro Pedregulho, Intendente em Rio dos Esqueletos, um lugarejo remoto no sul do Brasil, administrava a aldeia como se fosse extensão de sua própria casa.

Com uma série de atitudes que deixariam o Tio Patinhas com inveja, o politiqueiro trancou o cofre da intendência e mandou o povo reclamar em outra freguesia.

A oposição fez comissões de inquérito, mandou publicar ofensas no hebdomadário local e programou sessões de vaias públicas. Com a cara−de−pau que Deus lhe deu, Pedregulho deixou rolar pela face umas duas ou três lágrimas de crocodilo e seguiu em frente, orgulhoso de suas não−realizações. Para aqueles que reclamavam que as ruas estavam com péssimas condições de trafegabilidade, aconselhava o uso de meios de transporte alternativo: cavalos e mulas.

Para Pedregulho o importante era não gastar. Contam as boas línguas que, no passado, quando estava estudando na capital, costumava vender para os colegas da república de estudantes em que morava rosquinhas de coalhada, pães e queijos que sua mãe lhe enviava. Diante de uma moeda, os olhos de Pedregulho cresciam em êxtase. Talvez isso explique porque alugou vários prédios da família para abrigar as secretarias da Intendência.

II
A vida política é cheia de armadilhas. E mesmo um ignorante como Pedregulho sofre algumas pressões. Um dia ele foi convidado por um dos secretários da Intendência para uma festinha privê, em uma chácara afastada do centro da aldeia. Aceitou o convite, pois era adepto da regra "de graça, até injeção na testa".

Tomou vários copos de vinho (daqueles de garrafão) e começou a ficar empolgado. E como a carne é fraca, depois de assistir ao sensacional strip−tease de Soninha Alicate, ficou apaixonado. Coisa fulminante, tiro e queda. A cada peça de roupa que a morena tirava, o intendente se lembrava da esposa. Lembrava das estrias da esposa, do peso da esposa, da idade da esposa.

Soninha Alicate percebeu que estava agradando. Sentou no colo de Pedregulho e o beijou na boca. Em seguida, enquanto mordia levemente o pescoço da vítima o convidou para um passeio ao luar.

Depois de séculos de "comida caseira", Pedregulho não conseguiu resistir ao "fillet mignon". Como se fosse um zumbi seguiu o ondular enlouquecedor da garota.

Lá fora, abraçou a ninfa e a beijou. Nem mesmo Hollywood teria imaginação para elaborar uma cena tão ardente.

O que se seguiu foi patético: completamente apaixonado (e bêbado), Pedregulho se ajoelhou aos pés da deusa e jurou mundos e fundos. Só faltou entregar as chaves da Intendência. A moça se fez de rogada, fingiu ingenuidade e perguntou quais eram as "reais" intenções de Pedregulho. O garanhão garantiu amor eterno.

Soninha Alicate respondeu que acreditava em tudo. Depois, começou a chorar. Assustado, Pedregulho quis saber a razão para tantas lágrimas. A garota enxugou o rosto, afastou o pretendente e sussurrou alguma coisa. Pedregulho pediu que ela repetisse. Ouviu diversas queixas sobre a falta de dinheiro, credores incomodando, mãe doente e outras tragédias. Com voz firme, Soninha arrematou o assunto dizendo que isso tudo era bobagem, o verdadeiro valor da vida está no amor, numa noite tão linda que importância teriam as preocupações econômicas de uma pobre moça pobre?

Pedregulho, famoso pão−duro, fez que não era com ele e tentou, mais uma vez, beijar Soninha. A garota, escolada pela vida e pelo "empresário", abriu o maior sorriso, pediu desculpas por ter mencionado problemas pessoais e convidou Pedregulho para uma última taça de vinho, em algum lugar mais privado. E, para provar suas piores intenções, fez uma menção a certo episódio protagonizado por um presidente dos Estados Unidos.

Os olhos do galante cavalheiro saltaram das órbitas, foram até Marte e voltaram ofegantes.

III
Ao amanhecer, a senhora primeira−dama foi acordada pelo insistente som do telefone.

Mulher enérgica e possessiva, Ermengarda ficou furiosa com o que ouviu. Infelizmente, não conseguiu identificar o dedo−duro. Levantou da cama e, naquele instante, iniciou uma expedição cívica e moralizadora para flagrar o marido traidor.

Além do delegado, vários policiais e inúmeros familiares participaram da comitiva. Também embarcaram um tenente do exército, o vendedor de cachorro−quente, duas cabeleireiras e diversos curiosos. Um ônibus da Intendência carregou a tropa (que a oposição, mais tarde, chamou de "a gaiola das loucas").

No meio do caminho, pararam no pasquim local e acordaram o único jornalista da aldeia. O sujeito, entre bocejos e reclamações, de máquina fotográfica em punho, entrou no ônibus.

Na frente de um motel de quinta categoria, Ermengarda, do alto dos seus elegantíssimos 140 quilos, exigiu que o primo (isto é, o delegado), na companhia de dois soldados fortemente armados e do jornalista, a acompanhassem na invasão a "aquele antro de pecados". Aos demais integrantes da comitiva, prometeu trazer o traidor aos tapas para que o povo pudesse presenciar a prática da justiça.

Diante do gerente do motel (promovido por Ermengarda a "prostíbulo repulsivo e degradante"), exigiu saber em que quarto estava acontecendo a sem−vergonhice. O gerente gaguejou e, diante de reluzente 38, entregou o jogo e a chave do quarto.

O delegado, homem finíssimo, verdadeiro gentleman, derrubou a porta a coices. Ermengarda entrou no quarto triunfante (guardando as devidas proporções, parecia um general romano invadindo terras bárbaras).

A empáfia diminuiu imediatamente. O marido estava deitado, de bruços, algemado na cama. Dormindo o sono dos justos, Pedregulho parecia a mais inocente das crianças.

De Soninha Alicate (e da carteira do Intendente) nenhuma notícia.

Ao se aproximar do "tálamo pecaminoso", Ermengarda percebeu que havia algo errado. O problema não era o visível estado de embriagues de Pedregulho. Não, não era isso. O que era difícil de entender era aquele batom vermelhíssimo nos seus lábios, a peruca loura e, quem diria?, a cinta−liga cor−de−rosa.

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