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sexta-feira, 22 de julho de 2011

SOTERRADO PELOS LIVROS

No início do romance Fantasma sai de cena (Philip Roth, 2008), o protagonista (que acumula as funções de narrador) Nathan Zuckerman informa que está relendo Joseph Conrad e cita, com especial apreço, A linha de sombra. Comprei um exemplar, mas nunca li. Abri o livro, dei uma olhada em algumas páginas, não fiquei atraído, devolvi à estante. Ficou para depois. Algum tempo depois, não muito, talvez um ou dois meses depois, li uma novela sul−americana maravilhosa: A casa de papel (Carlos María Domínguez, 2006). Fábula amorosa (pela mulher, pela literatura, pela liberdade), o texto é um deleite para quem gosta de livros e histórias bem contadas. E a viga principal dessa "casa" é A linha de sombra. Disse para mim mesmo: assim fica difícil não ler o livro do Conrad!

Recentemente, ao ler A viúva grávida (Martin Amis, 2011), esse tipo de experiência se repetiu (embora com algumas diferenças). O personagem Keith Nearing, enquanto cobiça as amigas de sua namorada, atravessa um verão inteiro lendo Jane Austen. Claro, ele lê outros clássicos ingleses (inclusive D. H. Lawrence). Mas é Austen que possibilita as melhores cenas, o contraste entre a contenção de uma época cavalheiresca (que não existe mais) e a luxúria que estava surgindo no horizonte dos anos setenta.

No mundo em que a intertextualidade bate um bolão não demorou muito e eu estava assistindo, mais uma vez, O Clube de Leitura Jane Austen (The Jane Austen Book Club. Dir. Robin Swicord, 2007), filme baseado no romance de Karen Joy Fowler (que li – tropeçando − em espanhol, pois desconheço tradução ao português do Brasil).

O desdobramento das várias histórias relacionadas com um grupo de amigos reunidos em um clube de leitura ocorre de forma intensa. Unindo o entorno físico e psicológico das personagens com o modelo comportamental sugerido pelos romances de Jane Austen, o filme (apesar da superficialidade do cinema comercial) propõe a literatura como instrumento de análise social. Uma das cenas é bastante significativa nesse aspecto. Diante da escolha entre o marido troglodita e o jovem amante, Prudy se pergunta: o que Jane Austen faria? A resposta, apesar de dolorosa, mostra que a sensatez é inimiga do ressentimento.

O engraçado nessas histórias de preferências literárias é que, por diversos motivos e circunstâncias, não li dois dos romances de Jane Austen: Mansfield Park e Persuasão. Quer dizer, o primeiro estou quase na metade, agradavelmente surpreso por estar gostando de um texto tão diferente do romance contemporâneo. Povoada por uma linguagem oblíqua, cheia de entrelinhas, sutilezas que somente uma leitura muito atenta consegue decifrar, a história daquelas mulheres predadoras (e de alguns homens idiotas) é divertida, é deliciosamente atual.

Mas não é somente isso. Em O Clube de Leitura Jane Austen há outro fator muito mais engraçado. Em paralelo à trama principal, surge um convite literário pouco usual: a ficção científica. Dois dos personagens se envolvem em um relacionamento afetivo complicado. Em determinado momento, Grigg usa o argumento definitivo: como está lendo os livros que agradam a Jocelyn, insiste que ela leia os livros que o agradam. Sugere, entre muitos títulos, A mão esquerda da escuridão, escrito por Ursula K. Le Guin. Esse eu li. E gostei. Muito.

Outra referência literária recorrente é Dostoievski, principalmente dois de seus romances mais conhecidos: Crime e castigo (1866) e Recordações da casa dos mortos (1864). Ao leitor comum, basta um pequeno descuido e não se consegue evitar o esbarrão. Há momentos em que isso ocorre de maneira sutil, alegórica. É o caso do romance Casa de encontros (Martin Amis, 2007), um tour de force contra o autoritarismo estatal (principalmente o soviético). Outras vezes, como em alguns filmes recentes de Woody Allen (Match Point, 2005; O Sonho de Cassandra, 2007), a colisão flerta com a perda total, as alusões engolindo as diferenças entre uma coisa ou outra.

Enfim, a literatura é um balaio de siris, quando você puxa o primeiro para fora saem vários, um enganchado no outro. Ler O nome da rosa (Umberto Eco, 1980) pode ser um imenso (e divertido) passeio pelos romances policiais, pela filosofia iluminista, pelos clássicos gregos. Em determinado momento Adson de Melk pergunta para William de Baskerville: Os livros são mais importantes do que as pessoas? A resposta não é tão simples quanto parece, inclusive porque o meio−de−campo está congestionado por livros como Fahrenheit 451 (Ray Bradbury, 1953) que, mais do que a anunciação do terror fascista, alerta para uma questão básica: o conhecimento caminha ao lado da liberdade.

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