Páginas

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

DOMINGO DE SOL

Depois de um inverno bastante intenso, domingo de sol. Pela manhã, logo depois de acordar, abri as cortinas do quarto e olhei para o céu. Pela primeira vez em muitos dias, não encontrei nuvens ameaçadoras. Mesmo sabendo que um dia de tempo bom − nesta época do ano – é exceção, fui tomado por maravilhosa sensação de bem−estar. Diante do esplendor azul, não foi difícil imaginar que a estação das enchentes e do frio acabou. Como não é possível adiantar o relógio do mundo, a primavera ainda vai demorar uns quinze dias.

No início da tarde, fui "quarar". Em outros lugares do país, costuma−se dizer "lagartear". Não sei qual dessas expressões é a mais feia. Bonita é a falta de compromisso com a seriedade conceitual. Bonito é se deixar embalar pelos sons e desatinos do viver. Bonito é gozar (de várias formas) a luz solar. Fechei a porta do apartamento, chamei o elevador e desci até a rua: camiseta, bermuda, chinelo, telefone celular desligado. Carreguei para o calor e a luminosidade dois livros e o computador. Li um pouco, pensei bobagens, escrevi − o laptop substituindo a caneta e o bloco de anotações.

Enquanto o sol queimava o meu corpo, recuperando um pouco do bronzeado que nunca tive, fiquei a olhar o movimento da rua. Algumas pessoas estavam alegres. Ninguém parecia economizar sorrisos. Depois de tanta chuva, não é possível negar que algo mudou na cidade. E para melhor. Uma criança (parecida com um "bambino" pré−rafaelita) gritou de alegria, enquanto comia pipoca. Livres do pudor e do peso de casacos e botas, as mulheres exibiam o formato de seus corpos em vestidos leves, coloridos, florais. Visões do paraíso – pensei baixinho, enquanto agradecia por estar aproveitando um dia tão bonito.

Em outros tempos, finais de semana ensolarados eram a melhor desculpa para sair de casa. A família unida, os filhos vestindo "roupa de domingo". Passear no "Tanque" ou piqueniques nas proximidades da Gruta de São Bom Jesus. Depois, em algumas ocasiões, íamos visitar algum parente. O "café−com−mistura", às quatro da tarde (quando a atração principal eram as roscas de coalhada, feitas por minha avó), não existe mais. Pelo mesmo caminho se perderam muitas lembranças. As crianças, brincando no gramado, nunca mais terão a oportunidade de ver os adultos sentados na varanda, conversando interminavelmente sobre a história social e afetiva da família.

Quando a escuridão começou a invadir o horizonte, o frio infiltrou−se na tarde. A transitoriedade do clima e da vida ensinando que nada é permanente. Voltei para dentro do apartamento. Depois de mudar de roupa e beber um pouco de água, não me foi possível ignorar um ligeiro incômodo − talvez medo pela ausência do sol.

7 comentários:

  1. Muito bom ler sua crônica sobre o dia de sol e o medo da ausência. Foi uma bela viagem entre a saída do apartamento, o retorno às origens e a volta à realidade.
    Pretendo voltar sempre aqui.
    Abraços,
    Bilá

    ResponderExcluir
  2. Raul, adorei o tom épico de sua viagem. Como um Ulisses metamorfoseado em borboleta, navegando para fora do casulo. Contemplando o esplendor idolátrico, de uma tarde naturalmente desinfetante.
    Seu amigo: Rafael.

    ResponderExcluir
  3. Bilá Bernardes: Muito obrigado pelo carinho!

    ResponderExcluir
  4. Sua crônica expressou a essência do efeito da natureza sobre nós, os serranos!
    A euforia de um lindo dia de sol, combinado com o tempo para acordar de uma quase hibernação, que é o nosso inverno.
    Junto com a euforia, vem a memória emocional trazendo uma nostalgia de outras vivências desse "despertar"...e com ela, o medo de que o tempo leve embora, novamente, essa sensação maravilhosa de VIDA efervescente...
    Eu me vi nela...em cada palavra!
    MARAVILHOSA, Raul!
    PARABÉNS!!!
    Abraços,
    Vanda Emília

    ResponderExcluir
  5. Tenho sensibilidade para admirar a "essência" e a reconheci no seu texto. Vc sabe falar de modo a expressá-la! Sinceramente, Adorei!

    ResponderExcluir