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sexta-feira, 25 de novembro de 2011

ANOTAÇÕES SUPERFICIAIS SOBRE A PAISAGEM LITERÁRIA DO BRASIL

Ventos alienados e alienígenas hasteiam bandeiras na idolatrada salve salve, como se os caminhos adotados pela literatura brasileira contemporânea (salvo melhor definição) fossem uma cicatriz que dói no peito a cada ameaça de tempestade. Simultaneamente, a prostituição, perdão, o positivismo dos profissionais especializados em quaisquer coisas (também chamados de cri-cri-ticos literários), trêmulos e faceiros, caprichando na elaboração da perplexidade, perguntam: está acontecendo alguma coisa significativa com a lixeratura brasileira?

Depende. Sim, queridinho(a), depende. Primeiro, é preciso definir o básico: de que lado você está? Se a sua resposta for aquela que agrada o mercado de consumo, provavelmente ninguém discordará que a crise é mínima, que estamos em plena expansão criativa e que a vida é bela. Se por outro lado, você é daquele grupo que acredita que os otimistas sempre estão mal informados, então o buraco é mais embaixo e o gozo, lamento afirmar, está suspenso até segunda chamada.

Pois é, o retrato da geração zero zero (ou 2.0 ou século 21 ou qualquer outro qualificativo que for aplicado para vender um pouco daquela mercadoria que, de outra forma, mofará estocada no quartinho dos fundos) está além/aquém/acolá do que, em grandes manchetes, é (ou não é) notificado, resenhado, publicado nos jornais, revistas e internet.

É phoda, meu/minha camarada, basta fazer um rápido resumo da história literária (recente ou pré-diluviana) para concluir que, em um país onde a história política está completamente alijada da constructo literário, um sorriso irônico deveria estar desenhado na face dos críticos das belas-letras. Sintomaticamente, ele sequer existe. Todos se julgam sérios, catedráticos da mesmice, carregadores do turíbulo encantado pelas espórtulas do capitalismo.

Antes que aceitemos que a literatura brasileira se decompõe em anedotas de (des)gosto duvidoso, por favor, no entrecruzamento entre política e literatura, alguém poderia esclarecer qual foi a herança que recebemos dos anos 60? Qual é o romance (a novela, o conto, o ensaio) representativo dos anos de chumbo (também chamados, pela Folha de São Paulo, de ditamole)? Claro que não vale citar meia dúzia de volumes semi-autobiográficos ou semi-ficcionais (Fernando Gabeira, Alfredo Sirkis, Roberto Campos, Silvio Frota, Carlos Chagas, Elio Gaspari), e uma meia dúzia de narrativas muito contidas, repletas de parábolas, elipses e auto-censura (Reflexos do baile, do Antonio Callado, A festa, do Ivan Ângelo e Zero, do Ignácio de Loyola Brandão). Mas, aos olhos de hoje, que é que se salva literariamente nesse amontoado de fofocas e calúnias e difamações? E o governo Collor de Mello? Onde é que está escondida a literatura cara-pintada? E, por favor, se alguém tentar citar o José Nêumanne ou o Luiz Gutemberg, com aquelas bobagens pseudo-besta-sellers, arremedos de posicionamento político-literário, me segura que eu vou ter um troço! O romance escrito pelo Edney Silvestre, A Felicidade é Fácil, apesar do tom modernoso, vamos denunciar o arbítrio, também não diz o que deveria dizer. Os governos Fernando Henrique e Lula, mostrando que conhecem o tamanho do bolso (da bolsa) dos escritores, negociaram um pouco de silêncio artístico. Nenhuma novidade, basta seguir a tradição herdada do colonialismo português, parte do funcionalismo público adora escrever para fora, digo, para alegrar os chefes e o povo.

Como se isso não bastasse, é preciso/precioso consultar o tarô ou o I-ching para descobrir em que lugar a literatura brasileira escondeu os negros, os índios, os trabalhadores (Luis Ruffato é a exceção que confirma a regra) e, principalmente, os pobres (por favor, neste item, evitem citar Ferréz, porque o cara, desculpem fãs da marginalidade, o cara não conhece o mínimo da técnica literária!).

Por outro lado, relatos sexuais vendem como pão quente. Embora constituam prova de indigência literária, quem é que não quer saber o que acontece na cama ao lado? Você, ilustre leitor(a), vai negar que nunca imaginou a Bruna Surfistinha, doida entre lençóis de linho egípcio, prometendo loucuras que mimetizam aventuras que nenhum de nós viverá?

Outra característica se soma a esse contexto: o Brasil literário não gosta de mostrar a sua cara – a verdadeira, é claro. O Brasil é o Outro, no outro lado do mundo, bem longe, bem longe dos problemas – e pouco importa se o Haiti é aqui. No início era só o Bernardo Carvalho (fazendo pose de Bruce Chatwin ou Cees Nooteboom ou J. M. G. Le Clézio) que mostrava distanciamento ao solo pátrio. Escrevendo romances pretensiosos, ambientados em lugares exóticos como o Xingu, a Mongólia ou o Japão, Bernardo Carvalho, em versão farsesca, reproduz Carlota Joaquina, que, antes de embarcar no navio de volta à Europa, limpou os sapatos e disse: desta terra não quero levar nem o pó. Atualmente, em agradável surpresa para a globalização, uma editora está pagando os nossos melhores (sic!) talentos para escrever "histórias de amor”. Seria divertido se não fosse o espelho de nossa miséria.

Somando erros e acertos, sacanagens e pilhérias, alguns “ishpertos” conseguiram encontrar uma solução para parte dos problemas que afligem a literatura brasileira: sob o escudo da metalinguagem, o mercado está cheio de livros que “plagiam”, desculpe, plágio é uma acusação leviana, é preciso pegar mais pesado, compõem uma nova versão de algum dos temas machadianos, na vã esperança de que o bruxo do Cosme Velho esteja acima do bem e do mal, imune às críticas invejosas e ao humor pouco espesso daqueles que, incompetentes para criar, denigrem o trabalho alheio!

Noves fora, na República do Bananão, o único setor que avançou em coragem e qualidade foi o da literatura escrita por mulheres. Sem exagerar, mas forçando um tantão, Carola Saavedra, Ana Paula Maia, Paloma Vidal e Tatiana Salem Levy, entre outras, estão encabeçando uma revolução silenciosa, ninguém está percebendo o perigo, quando a turma que acredita ser a dona do campinho abrir os olhos será tarde demais.

Enfim, para não me alongar muito nessas considerações absolutamente desnecessárias, esta é – reconheço - sem muita profundidade, a minha visão de como tropeça a literatura brasileira. Enquanto algumas almas mais puras sonham com a retomada de um tempo que já se esgotou, os que estão ancorados na mothernidade, demonstram absoluta falta de coerência, postura política e, nas horas vagas, caráter (É preciso viver malandro / a cana tá brava a vida tá dura, dizia o Bernardo Vilhena em priscas eras, mas com uma atualidade estonteante). Para não se comprometerem com certas questões (ou será, com as questões certas?), olham para o lado, fingindo (fugindo?) que a consciência de classe, de raça e de sexualidade não são bons temas literários. In other hands (como diriam o Conselheiro Acácio e/ou o José Dias, abusando de escorreito português castiço), ideologia, eu quero uma para viver.

2 comentários:

  1. Respondendo a pergunta: E o governo Collor de Mello? Onde é que está escondida a literatura cara-pintada? Caro Raul, convém atualizar seu texto com a leitura do recém lançado " A felicidade é fácil" de Edney Silvestre ambientado na era Collor.
    Um abraço. Rafael.

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  2. Rafael: uma vaca desgarrada não faz um rebanho!

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