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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

CINEMA ARGENTINO: ALEGRIA E TALENTO


Enquanto o cinema brasileiro corre para um lado e outro, feito barata tonta, com uma câmera na cabeça e nenhuma idéia na mão, o cinema argentino assombra o mundo com talento e engenhosidade. Lembrar que "los hermanos" ganharam o Oscar de melhor filme estrangeiro duas vezes (História Oficial. Dir. Luis Puenzo, 1985; El secreto de sus ojos. Dir. Juan Jose Campanella, 2009) somente valoriza os argumentos dos pessimistas – que desprezam com força e nojo as comédias fáceis, dirigidas e protagonizadas pelos canastrões que integram o elenco da Globo.

Outro fato: não temos, nunca tivemos, um Ricardo Darin - o maior e o mais importante ator do cinema latino-americano!

Enquanto o Brasil não conseguir um cinema plural, livre e com diversificação nas fontes de financiamento, não será possível sair do atoleiro. Atualmente, inexistem condições para o surgimento de outro Humberto Mauro ou Glauber Rocha.

Para quem duvidar do talento argentino, recomenda−se, entre tantos, dois filmes mais ou menos recentes.

O Homem do lado (El hombre de el lado. Dir. Mariano Cohn e Gastón Duprat, 2009) é uma comédia sombria, pendendo para o drama. Quase todo centrado nas figuras de Leonardo Kachanovsky (interpretado por Rafael Spregelburd) e Victor Chubello (interpretado por Daniel Aráoz), o filme retrata um dos grandes problemas contemporâneos: o vizinho.

Leonardo é designer de moveis, professor na universidade, adora musica instrumental de vanguarda, bons vinhos e mora em La Plata, na Casa Curutchet (o único trabalho de Le Corbusier na América Latina).

Victor é o oposto. Mora na casa ao lado. Grosseiro, intrometido, violento. E quer abrir uma janela em uma parede que, de certa forma, invadirá a privacidade da família de Leonardo. Além disso, incidirá na alteração inadequada da estética arquitetônica proposta por Le Corbusier.

Seguem−se conversações inúteis. Em todas Victor obtém vantagem, seja intimidando, seja forçando intimidades. Atitudes mais drásticas são tomadas, mas não resolvem o problema. A figura do vizinho passa a ser um contrapeso no delicado equilíbrio familiar.

O desfecho é cruel, revelando o quanto há de complexidade nos relacionamentos humanos. Nas histórias de mocinhos e bandido, ninguém é inocente.

Um conto chinês (Un conto chino. Dir. Sebastian Borensztein, 2011) inicia com uma imagem inusitada: uma vaca caindo do céu. Logo depois, vemos um chinês sendo assaltado por um taxista argentino. Roberto de Cesare (interpretado por Ricardo Darin) socorre a vítima. E só consegue se livrar de Jun Hio (interpretado por Ignacio Huang) no final do filme.
Roberto é o dono de uma casa de ferragens. Cultiva hábitos metódicos, como apagar as luzes do quarto exatamente às 23 horas ou contar os parafusos das caixas que vende. E fica furioso quando descobre que estão faltando um ou dois. A única coisa que destoa um pouco de sua rotina é o estranho hobby de colecionar notícias insólitas. Mas, mesmo assim, criou uma liturgia diária para ler os jornais e selecionar o material. Nada abala o seu dia−a−dia, nem mesmo o interesse de Mari, a irmã de um amigo.

Em uma cena emblemática, Mari comenta:

− Você é rabugento, eremita, sensível, bom e corajoso. Além disso, tem esse olhar que me mata.

E o que Roberto faz, diante dessa declaração de amor? Fica em silêncio, a remoer os pensamentos. A única coisa que consegue dizer, depois de vários segundos de silêncio, é:

− Você é muito gentil.

Sem sentimentos pelo outro, pode−se dizer. Jun Hio é quem altera toda essa desordem afetiva. Sem falar uma única palavra em espanhol, está procurando por um tio que não vê há muitos anos. Roberto, que não fala chinês, o acolhe e enlouquece com a presença do estranho. Quer se livrar da visita incômoda. Ao mesmo tempo, não consegue conviver com a culpa. É divertido ver o quando cada um dos personagens administra essa situação. Visitas à embaixada, passeios pelo bairro oriental, a ajuda de um tradutor (um motoboy do restaurante chinês). Todos esses elementos vão acrescentando camadas de humanidade ao desencontro afetivo e lingüístico.

Quando o parente de Jun Hio é encontrado, as relações entre os dois homens é de outra ordem. E é o presente de despedida de Jun (a pintura de uma vaca, na parede) que une as pontas desencontradas dessa aventura.

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