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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A LITERATURA RUSSA E A SOLIDÃO DA ESTEPE


A literatura russa acabou em 1945. Ou alguns anos antes. Talvez com o suicídio de Vladimir Vladimirovitch Maiakovski, em 1930. Ou então em alguma data imprecisa entre as mortes das poetisas Marina Ivánovna Tsvetáeva e Anna Akhmátova (Anna Andreievna Gorienko) em 1941 e 1966, respectivamente.

Quase toda a memória da vida literária russa antecede ao fim da Segunda Guerra Mundial. Salvo algumas exceções (Boris Leonidovitch Pasternak, Vladimir Vladimirovitch Nabokov, Josif Aleksándrovitch Brodsky [Joseph Brodsky] ou Alexander Issaievitch Soljenítsin), nenhum autor ou livro conseguiu obter grande destaque depois desse período.

Dois motivos podem ser considerados para tentar explicar esse descompasso: a) a qualidade dos clássicos é de tal magnitude que poucos escritores modernos conseguem alcançar (ou ultrapassar) esse patamar; b) não há interesse editorial na produção contemporânea. Independente de qual hipótese seja válida, a literatura russa vive do passado.

Isaac Emmanouilovitch Babel, Fiodor Mikháilovitch Dostoiévski, Nikolai Vasilyevitch Gogol, Maksim Gorki (Alexei Maksimovitch Pechkov), Aleksandr Serguéievitch Púchkin, Anton Pavlovitch Tchekhov, Liév Nikolaivitch Tolstoi, Ivan Serguéievitch Turguêniev – oitos nomes não compõem uma síntese. No entanto, embora haja outros nomes igualmente importantes, são esses que usualmente representam a história da literatura russa.

Recentemente, a Glasnost e a Perestroika abriram as portas da liberdade e condenaram a literatura russa ao ostracismo. Os russos seguem escrevendo. E publicando. Isso não é suficiente. Falta a esses autores o charme da perseguição política. Falta−lhes o marketing das organizações de esquerda. Um exemplo é Victor Pelevin, que teve um de seus livros publicados no Brasil, O elmo do horror, mas, salvo engano, ninguém lhe deu a mínima importância. Seguindo o mesmo caminho Boris Akounine, Andrei Dmitriev, Ludmila Oulitskaia, Mikhail Chichkine e Mark Kharitonov continuam ilustres desconhecidos, apesar do sucesso de seus livros no leste europeu.

Em compensação, os clássicos estão sendo constantemente re−editados, atualmente em traduções diretas do original, visto que as edições mais antigas eram versões do inglês ou do francês. Quase toda a obra de Dostoievski está disponível nas livrarias. Tchekhov aparece e desaparece das prateleiras com invejável elegância, edições cada vez mais bonitas. Em alguns círculos mais esclarecidos, Babel é Cult, desses em que muitos fãs se ajoelham diante do altar. Depois que os Irmãos Campos traduziram alguns poetas russos, todos mortos e enterrados, qualquer volume que contenha esses versos imortalizados pela cultura saudosista dos "velhos tempos" – seja stalinista, seja anti−comunista – garante um lugar nas estantes mais esclarecidas da intelectualidade burguesa.

A Rússia continua onde sempre esteve. Gélida e misteriosa como a Sibéria, bonita e quente como um gole de vodka. Nós, os leitores, é que nos deslocamos para longe da literatura gerada nas noites intermináveis das estepes.

P.S.: o saudosismo é tanto que alguns escritores modernos ainda estão tentando recriar a atmosfera literária de uma Rússia que não existe mais. Exemplares nesse sentido são o inglês Martim Amis (Casa de encontros) e o brasileiro Bernardo Carvalho (O filho da mãe).

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