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sexta-feira, 23 de março de 2012

AUGUSTO DOS ANJOS (1884−1914)

Parnasiano ou Pré−modernista? Polêmico, desagradável ou rancoroso? São muitas as possibilidades de classificar a vida e a poesia de Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos. Provavelmente todas estão erradas. Não são palavras e conceitos que conseguem resumir a existência ou a obra de um escritor.

Nascido no interior da Paraíba, filho de dono de engenho, precisou trabalhar depois que a família perdeu a propriedade nas crises econômicas que sucederam a Abolição da Escravatura e Proclamação da República. Bacharel em Direito, jamais exerceu a profissão. Foi como professor (literatura, geografia) que sustentou a esposa e os dois filhos (houve outros dois, natimortos). Morreu de pneumonia, aos 30 anos, em Leopoldina (MG), para onde havia se mudado alguns meses antes.

Augusto dos Anjos foi autor de livro único, Eu, publicado em 1912, financiado pelo irmão, Odilon dos Anjos. A segunda edição data de 1920 e constitui o cerne do volume conhecido como Eu e Outras Poesias. Organizado e prefaciado por Orris Soares, amigo do poeta, a edição definitiva da obra de Augusto dos Anjos foi financiada pelo governo da Paraíba. O mérito dessa edição está relacionado com os 46 poemas acrescentados ao corpo do livro original – alguns poemas eram inéditos, outros tinham sido publicados esparsamente em jornais e revistas.

Quando foi publicado, Eu não obteve boa acolhida. O público leitor da Velha República, educado pela elegância parnasiana, não estava preparado para uma poesia voltada ao horrendo, à degradação física, à interpretação pessimista da realidade, ao uso da linguagem cientifica como instrumental poético. Muitos críticos da época, inclusive Manuel Bandeira, não hesitaram em considerar Eu como um livro de "mau gosto". A esse juízo de valor se acrescenta episódios grotescos como o da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, que incluiu Eu em sua biblioteca, por tratar de assuntos científicos!

Os poemas de Augusto dos Anjos (fortemente influenciados por Charles Baudelaire e Edgar Allan Poe, Cesário Verde e Antero de Quental, Charles Darwin e Friedrich Nietzsche) revelam a sua multiplicidade de interesses: ciências naturais, química, mitologia, matemática, religião, geografia e filosofia.

PSICOLOGIA DE UM VENCIDO


Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má do zodíaco.
Profundíssimo hipocondríaco,
Esse ambiente me causa repugnância...
Sobe−me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de cardíaco.
Já o verme – esse operário das ruínas
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê−los,
E há de deixar−me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!


Embora tenha escrito em diversos sistemas métricos, foi o soneto decassílabo que consagrou Augusto dos Anjos. Cultivando a morbidez e o dualismo agônico, compôs versos de impactante força e misteriosa musicalidade. Como pode ser comprovado em poemas clássicos como Psicologia de um Vencido ou Versos Íntimos.

Augusto dos Anjos foi um poeta avant la lettre, pois soube antecipar alguns recursos da modernidade: pessimismo sobre a condição humana, excesso verborrágico, frequente adjetivação, renovação vocabular e o uso distintivo de recursos gráficos (pontos de exclamação, reticências, letras maiúsculas).


VERSOS ÍNTIMOS

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – essa pantera –
Foi tu companheira inseparável!
Acostuma−te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa ainda pena a tua chaga,
Apedreja essa vil mão que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


A Universidade Federal da Paraíba, em parceria com o SESC, no Teatro Lima Penante, em João Pessoa, apresentou em 2011, uma leitura dramática do espetáculo Eu, baseado nos poemas de Augusto dos Anjos.



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