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quarta-feira, 18 de abril de 2012

MENINO DE LUGAR NENHUM

A infância e a adolescência são parte do território sagrado em que a literatura inglesa está encastelada. Basta lembrar as fantasias que envolvem Peter Pan (James Barrie) e Alice no País das Maravilhas (Lewis Carrol). Ou a assustadora crueldade facilmente encontrável em romances como Oliver Twist (Charles Dickens), O Senhor das Moscas (William Golding) e Reparação (Ian McEwan). São incontáveis os livros que abordam as questões relacionadas com a iniciação amorosa e sexual. Normalmente, esses Bildungromans (Romances de Formação) englobam desde algumas das narrativas escritas por Jane Austen até textos contemporâneos como O Mar e Luz Antiga (John Banville), Por Acaso (Ali Smith), A Biblioteca da Piscina (Allan Hollinghurst). A descoberta do mundo, com suas mentiras e decepções, está descrita em romances de primeira qualidade como Uma Escola para a Vida (Muriel Sparks), Império do Sol (J. G. Ballard), Dentes Brancos (Zadie Smith), Bem−vindo ao Clube (Jonathan Coe), Não me Abandone Jamais (Kazuo Ishiguro) e O Dom de Gabriel (Hanif Kureish).

Na Grã−Bretanha, David Mitchel (ainda) não é considerado um escritor do primeiro time − apesar de ter publicado um romance emblemático, Cloud Atlas, ganhador, entre outros prêmios, do British Book Awards Best Literary Fiction, de 2003. No mesmo ano, Mitchel foi eleito pela revista Granta um dos melhores escritores jovens da Inglaterra.

Mas quem disse que o mundo precisa fazer sentido?, pergunta Jason Taylor, 13 anos, narrador e personagem principal de Menino de Lugar Nenhum, romance finalista do Man Booker Prize, de 2006. Ninguém – poderia ser uma boa resposta. Mas, provavelmente não é o suficiente. Falta, no mínimo, uma pequena dose de humor. Afinal, como disse um especialista em romances de entretenimento, o estadunidense Tom Clancy, Você sabe qual é a diferença entre a ficção e a realidade? A ficção precisa ter sentido. E isso significa que os frutos da imaginação precisam estar mais próximos do real (seja lá o que isso for) do que o real. Na modernidade, onde muitos conceitos são fluídos, voláteis, poucos conseguem administrar essa contradição, esse sofisma, esse impasse. Talvez porque o enigma não admite solução, talvez porque existe solução.

A história que Jason conta para o leitor é uma forma de defesa contra as ofensas da vida. E elas, as ofensas, são muitas. Algumas são fantasmas – espectros que adquirem existência quando a mente, na falta de melhor coisa para fazer, resolve enlouquecer. Outras são autênticas, palpáveis, capazes de machucar − como a separação dos pais. Há aquelas fáceis de entender − como a turma de valentões do colégio. Também existem as incompreensíveis − como a Guerra pelo controle das ilhas Falklands (Malvinas), lugar para onde alguns jovens ingleses são enviados para morrer.

Depois de uma série de infortúnios e algumas alegrias, Jason acumulou inúmeras cicatrizes. E o propósito da sua narrativa está no estabelecer esse andamento, esse desconforto. Ao mesmo tempo, ele quer retratar − com honestidade, com sensibilidade − a geração que sobreviveu ao deplorável espetáculo protagonizado por Margareth Thatcher, a mulher que quebrou a espinha do Estado inglês e abriu as portas do Império para o capitalismo selvagem. Evidentemente, a senhora primeiro−ministro não levou em consideração as necessidades da população − que precisou sobreviver a um dos maiores índices de desemprego da história inglesa recente. A economia é a guerra por outros meios, deve ter sussurrado algum burocrata inepto. Ou melhor, Os fins justificam os meios, como recomenda o manual dos políticos eternamente "interessados" no bem−estar do povo.

Com uma prosa finamente elaborada, mistura de humor com ingenuidade, crueldade com lirismo, David Mitchel conseguiu, através da voz de Jason Taylor, produzir um romance de qualidade – que talvez possa ser resumido no axioma elaborado pelo menino de quase 14 anos: O mundo é um diretor de colégio que pune nossos erros.

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