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segunda-feira, 9 de abril de 2012

MODERATO CANTABILE

Durante algum tempo, no século passado, Marguerite Duras (1914-1996) foi a melhor chance dos franceses para voltar ao primeiro escalão da literatura universal. O país que brilhou com Honoré de Balzac, Choderlos de Laclos, Victor Hugo, Stendhal, George Sand, Xavier de Maistre, Raymond Radiguet, Charles Baudelaire, Guillaume Apollinaire, Sthéfane Mallarmé, Marcel Proust, André Gide, Anatole France, Albert Camus, Jean-Paul Sarte, Romain Gary, Boris Vian, Georges Bataille, Louis-Ferdinand Celine e Marguerite Yourcernar, isso sem falar de casos especialíssimos como os do Nouveau Roman (Alain Robbe-Grillet, Michel Butor, Natalie Sarraute, Claude Simon) e do grupo experimental Oulipo (Raymond Queneau, George Perec, François Le Lionnais, Jacques Roubaud), está vivendo nos últimos vinte e cinco anos uma longa e estéril entressafra. O brilho do passado não se repete no presente. Confirmando a lição histórica, Après moi le déluge, França atualmente reflete a glória de escritores menores, digo, minúsculos como Michel Houellebecq, Lolita Pille, Martin Page e Pierre Mérot.

Marguerite Duras foi bela tentativa. Nasceu na Cochinchina, atual Vietnã. Foi morar em Paris em 1932, onde estudou Direito, Matemática e Ciências Políticas. Publicou o seu primeiro livro, Les Imprudents, em 1943. Herdeira legítima do Nouveau Roman, roteirista de alguns filmes, o mais famoso é Hiroshima, mon amour (Dir. Alain Resnais, 1959), escritora prolixa de artigos, crônicas, novelas e romances, aliou a criatividade ficcional com a pesquisa da linguagem. E criou uma legião de fãs. Algumas de suas inúmeras narrativas, especialmente O Vice-Cônsul e O Amante, sobreviverão ao tempo e à crítica. Provavelmente também resistirá ao tempo uma novela quase desconhecida: Moderato Cantabile.

Quase não há movimento nessa narrativa. A ação está restrita ao envolvimento emocional das personagens. Enquanto acompanha o filho a uma aula de piano, Anne Desbaresdes ouve tiros na porta de um bar próximo. Movida pela curiosidade, quer saber detalhes sobre o crime passional que acabou de acontecer. Chauvin, um personagem difícil de conceituar, promete ajudar, contando alguns detalhes. Anne se deixa envolver pela situação e aceita tomar um copo de vinho em sua companhia. O encontro fortuito se transforma em ritual e se repete durante vários dias. Enquanto o menino se diverte lá fora, olhando para os rebocadores no porto, brincando com amigos, os adultos conversam. E bebem – ao fundo, quase como música incidental de algum filme obscuro, a sonatina de Diabelli ecoa por toda a narrativa de forma fugidia, inalcançável.

O diálogo entre o homem e a mulher, apesar de bem concatenado, se mostra desencontrado. O real e o imaginário se confundem. Em alguns momentos, aquele que até a pouco era desconhecido se transforma em amante possessivo. Em outros, a esposa fiel, mãe exemplar, se assemelha com alguém que – arrependida de estar vivendo uma aventura extraconjugal – quer terminar o affaire o mais rápido que for possível: Anne Desbaresdes bebe, e isso não acaba, esta noite o Pommard continua a ter o sabor aniquilante dos lábios desconhecidos de um homem da rua.

O desfecho, típico do texto circular, termina na morte metafórica de um dos personagens. Nenhuma história de amor consegue a plenitude sem a impossibilidade de amar. O crime passional das primeiras páginas ecoa na mente do leitor como uma reprise cruel:

Anne Desbaresdes esperou um minuto, depois tentou levantar-se da cadeira. Conseguiu, ficou de pé. Chauvin não olhava para ela. Os homens continuavam a evitar olhar para aquela mulher adúltera. Ela ficou de pé.
– Eu queria que você estivesse morta – disse Chauvin.
– Estou morta – disse Anne Desbaresdes.
Anne Desbaresdes contornou a cadeira de modo a não precisar fazer o gesto de tornar a sentar-se. Depois, deu um passo para trás e virou-se de costas. A mão de Chauvin ergueu-se no ar e tornou a cair sobre a mesa. Mas ela não viu, ele já havia deixado seu campo de visão.

3 comentários:

  1. Belissima história!! Tem intensidade absurda, daquelas que buscamos( PELO MENOS EU BUSCO...rsrssr)e o vinho faz a ponte entre o real e o onírico, mágico...

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  2. Olá
    achei teu blog pelo Facebook, gostei muito das matérias, tá de parabéns!

    té mais!

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