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segunda-feira, 25 de junho de 2012

FAHRENHEIT 451

No início de Fahrenheit 451, romance escrito por Ray Douglas Bradbury, a personagem Clarisse McClellan pergunta para Guy Montag: Você é feliz?. Sem saber qual a resposta adequada para esse tipo de situação, alguma coisa entra em curto−circuito na mente do bombeiro. Esse questionamento jamais lhe ocorrera. Viver, até então, nunca fora uma questão de discutir felicidade ou sofrimento.

Em uma sociedade futura, onde a mão−de−ferro do Estado absolutista controla as informações, Montag é um bombeiro – ironicamente, sua principal tarefa profissional é destruir livros e incendiar as casas dos inimigos do Estado.

Ele vive em um mundo onde não há lugar para a reflexão crítica, onde os programas televisivos, antecipando aquilo que chamamos de reality show, impõem comportamentos e alienação.

Em determinado momento, Montag substitui o embotamento político pela curiosidade. Por que os livros causam tantos problemas? Por que são tão perigosos? Durante uma das operações de combate aos inimigos da ordem pública, não consegue resistir e, de forma imprudente, leva alguns livros para sua casa. Percebe que ler é um estimulante intelectual. Uma porta para novos horizontes. Em contraste com a apatia de sua esposa, que fica ligada 24 horas por dia no enquadramento dos programas televisivos, Montag começa a ver o que se esconde atrás de uma serie de posturas e condutas. Sem encontrar uma alternativa razoável para controlar o descompasso que essa situação lhe causa, ao se sentir adoentado, falta ao trabalho. Pela primeira vez na vida, não lhe parece adequado destruir o conhecimento.

Inevitavelmente, recebe a visita de Beatty, seu superior imediato − que, usando de singular pedagogia, esclarece algumas questões obscuras. Mais do que isso, aproveita o momento e não economiza ameaças sobre o destino de quem rejeita as normas de conduta social. No embate entre a força e a razão, Montag hesita. Esse ínfimo intervalo na procura de qual caminho deve seguir é suficiente para que os bombeiros invadam sua casa e a destruam. Livros são perigosos, causam infelicidade – é a lição que esse duro aprendizado grava na pele de Montag.

Elevado à condição de marginal político, Montag foge. Conta com a ajuda do professor Faber. Descobre que, além das fronteiras da cidade, em uma espécie de terra de ninguém, residem outros foras da lei. São pessoas que, assim como ele, em algum momento infringiram alguma regra imposta pelo Estado.

Nessa sociedade ágrafa (onde a escrita se transforma em sinônimo de transgressão), a sabedoria retoma as origens pré−históricas: é a transmissão oral que garante a perpetuação do conhecimento.

Fahrenheit 451 é a temperatura em que o papel entra em combustão, é a temperatura em que a História humana se transforma em loucura.

Ray Douglas Bradbury nasceu em 20 de agosto de 1920 e faleceu em 06 de junho de 2012, aos 91 anos de idade. Escritor de ficção científica de primeira linha, começou a publicar na adolescência. Em 1945, o conto The big black and white game é selecionado como o melhor conto de ficção estadunidense. Ficou conhecido mundialmente com a publicação do livro de contos Crônicas Marcianas, em 1950. Fahrenheit 451 foi publicado em 1953.

Em 1966, François Truffaut dirigiu a versão cinematográfica de Fahrenheit 451, alterando ligeiramente o texto original.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

SE NÃO NÓS, QUEM?

Nem tudo está perdido. Embora cada vez mais raro, o cinema político ainda existe. Não no Brasil, é claro. Aqui, entre mulatas seminuas e frutas exóticas, costumamos nos divertir com aquelas comediazinhas sem sal que glorificam paisagens exuberantes, enredos anódinos e canastrões televisivos.

Na Alemanha a história é outra, como comprova o drama Se Não Nós, Quem? (Wer Wenn Nicht Wir. Dir. Andres Veiel, 2011). Tendo como base a década de 60 do século passado, e as mudanças sociais e políticas que ocorreram na época em que sexo, drogas e rock−and−roll determinavam ações e procedimentos, o filme retrata a impaciência dos filhos dos sobreviventes da II Guerra Mundial.

Baseado em fatos reais, Se Não Nós, Quem? está concentrado na vida do editor Bernward Vesper (interpretado por August Diehl) e de sua companheira, a professora Gudrun Ensslin (interpretada por Lena Lauzemis). Jovens e inquietos, iniciam um romance na Universidade. Um pouco mais tarde, fundam uma editora – cujo principal objetivo é reeditar os livros de Will Vesper, pai de Bernward, e comprometido com os interesses do nazismo. Apesar das muitas dificuldades, e do ressentimento que constantemente aflora, o casal acredita que política e literatura são irmãs gêmeas.

Por diversos motivos, eles se mudam para Berlim (a Neue Literatur é incorporada ao acervo de uma editora maior). Gudrun inicia o doutorado em literatura.

Enquanto o mundo contempla os reflexos da Guerra Fria, da Guerra do Vietnam e de movimentos sociais como os Black Panthers, Bernward e Gundrun se aproximam de algumas facções extremistas. Essa guinada para a ação política, trilhando os caminhos nem sempre retilíneos da esquerda, traz junto três conseqüências imediatas: melhoria da vida econômica, um filho e um acordo pouco ortodoxo sobre a vida sexual. Ao longo do tempo em que estiveram juntos, Gudrun aceitou – nem sempre concordando − as múltiplas aventuras extraconjugais de Bernward. Como ele diz para o pai de Gudrun: Nosso amor tem regras próprias. Talvez seja pensando nesse axioma que, em determinado momento, Gudrun se apaixona por Andreas Baader (interpretado por Alexander Fehling). Comprovando a tese (muito popular na época) de que o intelectual é o oposto do revolucionário e de que os livros se mostram insuficientes para mudar o mundo, ela abandona o marido, o filho e o passado para poder viver ao lado do amante (um homem violento). Essa paixão avassaladora, que em muitos momentos se confunde com autodestruição, resulta em cadeia. Para os dois. Várias vezes.

Em determinado momento, Andreas diz para Gundrun: Seu erro é pensar só no que é possível. Com essa proposta utópica, fortemente alicerçada nos ideais anarquistas (e que, de certa forma, antecipa o terrorismo da Al-Qaeda), arrasta a mulher para ações terroristas e uma vida de fugitivos.

Condenado a viver sem a esposa e precisando cuidar do filho, Bernward se refugia nas drogas. Transforma-se em um farrapo humano.

Esses dois procedimentos, aparentemente antagônicos, correspondem às duas faces da mesma moeda, do mesmo sofrimento. E que, algum tempo depois, termina em suicídio dos três personagens.

Sem grandes concessões à ideologia anestésica do bom comportamento, Se Não Nós, Quem? mostra que a vida está envolta na dor. Com o uso de uma metáfora grotesca, o filme revela que a história humana se assemelha com a pedra amarrada ao pescoço do condenado - indivíduo que, mais cedo ou mais tarde, será jogado no mar para morrer afogado.

terça-feira, 12 de junho de 2012

HOMENS AMAM MULHERES

Homens amam mulheres. E sem elas não conseguem viver.

Homens amam mulheres. Embora a maioria não consiga entender o poder de sedução de um buquê de flores. Ou de uma caixa de chocolates. Ou de um Eu te amo.

Homens amam mulheres. De maneiras diferentes. Algumas vezes os relacionamentos são suaves, delicados, enamorados. Como uma dessas histórias apaixonadas que a literatura, o teatro e o cinema costumam retratar em ritmo sinfônico, eufônico, muitas vezes confundindo amor e dor.

Homens amam mulheres. E expressam esse sentimento com a perda da voz, olhares carentes, beijos tímidos e ousados, caminhar pelas ruas de mãos dadas, pequenas carícias e grandes gestos apaixonados.

Homens amam mulheres. Imitando as fantasias produzidas pelos sonhos, costumam aparecem em cena montados em cavalo branco, a armadura brilhando, a felicidade estampada no rosto sorridente.

Homens amam mulheres. E isso significa assistir filmes românticos na companhia da amada, ir para a cozinha fazer pipoca ou alguma comida rápida.


Homens amam mulheres. E costumam falsificar a verdade com palavras bonitas.

Homens amam mulheres. E querem dar prazer a quem lhes dá prazer.

Homens amam mulheres. A maior prova? Desligar a televisão na hora do futebol.

Homens amam mulheres. Com estilos muito estranhos. Muitas vezes são violentos, manipuladores, possessivos. Confirmando os piores pesadelos, usam da estupidez como desculpa para protagonizar episódios que deveriam terminar em delegacias (mas, por alguns motivos estúpidos, nunca terminam).

Homens amam mulheres. Mas não todos. Há dissidentes sexuais. Somando bissexuais, homossexuais e abstêmios talvez sejam 20%, talvez mais.

Homens amam mulheres. E o Brasil comemora o Dia dos Namorados em 12 de junho. Nos países "civilizados" a data é celebrada em 14 de fevereiro, chamado de Valentine’s Day − Dia de São Valentino. O bispo Valentim lutou contra o imperador Cláudio II, que proibiu o casamento durante as guerras - acreditando que os solteiros eram melhores combatentes. Além de continuar celebrando casamentos, o bispo se casou secretamente. Quando isso foi descoberto, Valentim foi preso e condenado à morte. Muitos jovens lhe enviavam flores e bilhetes na prisão, em uma prova de que ainda acreditavam no amor. Na prisão, Valentim se apaixonou pela filha cega de um carcereiro e, milagrosamente, devolveu-lhe a visão. Considerado mártir pela Igreja Católica, a data de sua morte - 14 de fevereiro - também marca a véspera de lupercais, festas anuais celebradas na Roma antiga em honra de Juno (deusa do matrimônio) e de Pan (deus dos bosques, dos campos, dos rebanhos e dos pastores). Um dos rituais desse festival era a passeata da fertilidade, em que os sacerdotes batiam nas mulheres com correias de couro de cabra para assegurar a fecundidade.

Homens amam mulheres. E isso deveria ser satisfatório. Não o é. O amor é insaciável, sempre quer mais, sempre requer mais, todos os esforços são insuficientes, o bom é manter esse vontade suspensa, como se estivesse a caminhar em corda bamba, a correr perigo.

Se for verdade que os homens amam as mulheres, todo cuidado é pouco: muitos príncipes são falsificados.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

IVAN LESSA: O GAROTO DA FUZARCA DISSE ADEUS AO BANANÃO

Fescenino, fez−se menino. Um escritor maldito? Uma mente conturbada? Um gênio do mal? Um auto exilado? Um exilado alto? Um sir humano apaixonado. Essas são algumas das palavras que o Millôr Fernandes usou para descrever Ivan Lessa, naquela antologia organizada pelo Diego Mainardi, comprovando que − depois de tudo terminado – balaios de elogios serão insuficientes ao tentar escrever necrológio, o corpo ainda quente se transformando em alimento para os vermes excitados com a possibilidade de deglutir um bom pedaço do cadáver do velho – mas não muito – escritor.

No intervalo entre 1935 e 2012, bem−vividos, bem−divertidos 77 anos de vida, Ivan Lessa, ilustre filho de Orígenes Lessa (O Feijão e o Sonho), morto em virtude de um enfisema pulmonar no dia 08 de junho, inverno aqui, verão (ou inferno) lá, detestou amorosamente o Bananão (forma nem sempre carinhosa com que denominava a idolatrada salve salve, também conhecida nas colunas sociais como a República dos sem−memórias).

Com os frutos do teléque−téque da sua Olivetti Lettera 32, comprovando que quem sai aos seus não degenera, publicou, ou publicaram por ele, salvo engano, apenas três livros: Garotos da Fuzarca (1986), Ivan Vê o Mundo − Crônicas de Londres (1999) e O Luar e a Rainha (2005). Nenhum teve a honra e a graça de ser obsequiado com o selo da saudosa Codecri (que Deus a tenha!), braço armado, digo, amado, digo, editorial daquele grupo que adorava espinafrar a fina flor da opressão que vicejava (ó dor, ó azar, ainda viceja) por essas paragens sem fim, espremida nos limites geográficos da zona de conforto habitada pela burguesia semi−letrada que reside em Pindorama. Chama−se de História, o catalogar ordenado de cicatrizes. E contusões.

Publicar triplamente foi um feito, quiçá defeito, ou passe de efeito, de quem nunca exerceu habilidades em textos mais longos, satisfazia−se com, no máximo, sete ou oito páginas, mais do que isso era exagero, como aprendeu nas sacripantas, perdão, nas sacrossantas páginas de O Pasquim, onde exerceu cátedra e liturgia, além de inúmeros sacrilégios e mandingas. Para evitar comentários desnecessários da cri−cri−tica sobre a edição de suas obras incompletas, avisou: se alguém for pós−estruturar ou des−construir minha obra ver−se−á em papos de Osvaldo Aranha.

Em todo (des)caso, ler o Mestre da ironia, do sarcasmo, o escritor que adorava mandar todo mundo tomar no respectivo orifício excretor, é garantia de diversão primeira classe, centenas de frases sacanas, chistes ferinos e chiliques felinos, exercício lúdico e lúcido de brincar proustianamente com o passado, o presente e do futuro dos tempos imemoriais, muitos desses momentos constituídos pelos devaneios publicados nas sáfaras páginas de Gibi ou do Almanaque do Tico−Tico, quiçá em O Cruzeiro ou em A Cigarra?

Era uma galáxia com sabor de Sonho de Valsa, Mentex, chicletes Adams e Diamante Negro. Naqueles tempos em que era comum as paredes do quarto de qualquer adolescente normal ser decorada com o pôster do Cauby e o sanguinário quadro com o Sagrado Coração de Jesus, a vitrola deixava fluir as vozes da Emilinha Borba e da Dolores Duran embalando sonhos masturbatórios, causados pelos filmes de Ava Gardner e da Rita Hayworth (imperdíveis sessão de inicio de tarde no Riam ou no Metro).

Ivan Lessa tinha consciência de que o destino inglório dos "bons tempos", mesmo depois da anistia ampla, geral e irrestrita, deveria ser resumido em crônicas sobre episódios cotidianos e cenas protagonizadas nos "catecismos" de Carlos Zéfiro. Comprovando, de maneira inequívoca, que Surrealismo (...) sempre pôde, basta ter relógio derretendo para o tudo bem, o nada consta.

Se A única vantagem de ser mais velho é poder mentir para os mais jovens, Ivan também exerceu o inconveniente ofício de recordar histórias da vida privada: quem é que se lembra do Lochas? E do primo do Sunda? Não minta, sei que você lembra. Lembra. Ah, lembra. Só faz que não. Um ligeiro tremor na tua voz não consegue esconder que houve um relampejar de lembranças adolescentes, o nosso velho e bom atentado à moral, aos bons costumes e ao pudor, praticado naquele matinho ali perto da tua casa.

Morando em London, London desde antes que antes fosse antes, míseros 34 anos de exílio, sempre tentando aparentar um ar de quem está à vontade neste mundo, Ivan muitas vezes não conseguiu evitar, como derradeiro gesto patriótico, o agitar do lábaro estrelado que embrulha a saudade (esse sentimento que parece cortar a carne, a doer inexplicavelmente dentro do peito). Obviamente, essa emoção somente poderia ser cauterizada por uma fezinha matinal no jogo do bicho. O Tamisa é um poço de recordações da Lagoa Rodrigo de Freitas, e, se você dobra[r] à esquerda na primeira esquina, Kensington Gardens é o Andaraí. Vai dizer − gentil leitor esclarecido e escarnecido − que essas semelhanças com o Paraíso lhe escaparam?

Ivan Lessa, ilustre botafoguense, inimigo do assovio, a bordo de um Studebaker, levantando poeira e inveja, como todo exemplar raro da nossa fauna e flora, adorava fazer pose de british gentleman comendo morango com chantili em Wimbledon − enquanto perdia a razão e o bom senso ao ver as coxas de Maria Sharapova. Nas horas vagas sofria torturas inomináveis naqueles ônibus de dois andares, eating fish and chips nos intervalos entre as múltiplas sessões de Earl Grey ou Darjeeling with milk and honey in the five o’clock tea of Her Highness, the Queen, recitando versinhos do John Donne em Saint Paul Church ou carregando sacolas repletas de intragáveis enlatados, mercantilizados no Sainsbury ou no Tesco.

Ivan Lessa, assim como O Sombra, sabia que o mal se esconde nos corações humanos − e que cu cor−de−rosa é sinal de bom coração. Tanto que, em dado momento, não conseguiu segurar a emoção e declarou: Hoje, um pouquinho mais velho, sozinhão, bato uma bola diferente: essa de ficar no gol defendendo os pontapés do passado.

Gudináite, mai diar urraiter, espero que, nessa tua última viagem, haja uma mulher de preto no cais dando adeus com os olhos úmidos. Requiescat in pace.

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Em ritmo de post scriptum e epitáfio, caro Ivan Lessa, como que a prestar vassalagem a quem foi bom à beça, copiei de um dos teus livros as palavras de Robert Benchley: quando morre um humorista, a gente tem que procurar um bar onde toquem música barata e beber até ser expulso do recinto.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

OUTRAS TRINTA E CINCO FRASES DE WILLIAM SHAKESPEARE

Amar é comprar escárnios à custa de gemidos. (Os Dois Cavalheiros de Verona)

− O amor é cego, e os namorados nunca vêem as tolices que praticam. (O Mercador de Veneza)

Entre dois beijos abrimos mão de reinos e províncias. (Antônio e Cleópatra)

− Não creias impossível o que apenas improvável parece. (Medida por Medida)

Se fosseis tratar todas as pessoas de acordo com o merecimento de cada uma, quem escaparia da chibata? (Hamlet)

− Muito mais água passa pelo moinho do que o moleiro pensa. (Tito Andrônico)

Quem faz uso exagerado das esporas, termina por matar a montaria. (A Tragédia de Ricardo II)

− Em mar sereno todos os navios são bons veleiros. (Coriolano)

Das paixões ínfimas, o medo é a mais maldita. (Henrique VI)

− Aos homens sobrevive o mal que fazem, mas o bem quase sempre com seus ossos fica enterrado. (Júlio César)

Da calúnia a virtude não se livra. (Hamlet)

− Foge de entrar na briga; mas se acaso brigares, faz com que o adversário te tema sempre. (Hamlet)

Quando os diabos querem dar corpo aos mais nefandos crimes, celestial aparência lhes emprestam. (Otelo)

− A verdadeira substancia da ambição é a sombra de um sonho. (Hamlet)

Quando os juízes roubam, têm licença de roubar os ladrões. (Medida por Medida)

− A amizade é constante em tudo, menos nos assuntos do amor. (Muito Barulho por Nada)

O cansaço ronca em cima de uma pedra, enquanto a indolência acha duro o melhor travesseiro. (Cimbelino)

− À ação de muitos golpes de uma machadinha, o mais possante carvalho oscila e acaba vindo ao chão. (Henrique VI)

O ciúme é um monstro de olhos verdes, que zomba do alimento de que vive. (Otelo)

− Não me aconselhes. Minhas desgraças gritam mais alto do que o teu fraseado. (Muito Barulho por Nada)

O espírito culpado sempre abriga suspeita. Em cada moita o ladrão pensa que se esconde um soldado. (Henrique VI)

− Cresce melhor o morangueiro embaixo das urtigas. (A Vida de Rei Henrique V)

Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente. (Muito Barulho por Nada)

− Entre maçãs podres não há o que escolher. (A Megera Domada)

Dobra−se o ferro enquanto ele está quente. (Macbeth)

− A glória é como um círculo sobre a água, que aumenta sempre mais, até que à força de se alargar, termina em coisa alguma. (Henrique VI)

Quantos perderam a honra para que a carcaça pudessem pôr a salvo. (Cimbelino)

− Não ensine aos lábios o desprezo, eles foram feitos para os beijos. (Ricardo III)

Há mais coisas entre o céu e a terra (...) do que sonha nossa vã filosofia. (Hamlet)

− Não se compraz um coração turbado com discursos longos. (Trabalhos de Amor Perdidos)

Há algo de podre no reino da Dinamarca. (Hamlet)

− Para comer, todos têm suas casas; o tempero melhor em casa alheia é sempre a cortesia. (Macbeth)

− O sangue moço nunca faz loucura como o velho que perde a compostura. (Trabalhos de Amor Perdidos)

− Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo! (Ricardo III)

Perde−se facilmente um carneiro quando o pastor se afasta do rebanho. (Os Dois Cavalheiros de Verona)

terça-feira, 5 de junho de 2012

PAUL AUSTER EM TEMPOS DE CRISE ECONÔMICA

Nos anos 90 do século passado, diante de A Trilogia de Nova York, o leitor brasileiro perguntou: de onde é que surgiu esse tal de Paul Auster? As três histórias que compõem o livro são, no mínimo, intrigantes. E possuem uma força inventiva que não parece encontrar substrato na ficção estadunidense.

A resposta para a pergunta não é fácil − embora os três anos vividos em França, depois de ter se graduado em Letras na Universidade de Columbia, ajudem a entender porque ele não economiza sofisticação em seus romances.

De qualquer maneira, para quem tinha duvidas sobre o seu talento, foram as publicações de No País das Últimas Coisas, Palácio da Lua e Leviatã que confirmaram o que não precisava de confirmação. Aos poucos, Auster criou uma pequena legião de fãs. Em 2004, quando esteve no Brasil, participando da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), trocou figurinhas com Chico Buarque. Depois de ler um trecho de Budapeste, ouviu Chico ler um trecho de Noite do Oráculo. O público aplaudiu de pé a dupla.

O último romance de Paul Auster, Sunset Park, acaba de ser publicado no Brasil. A prosa fluída, surpreendentemente fácil de ler, que lembra (pela leveza) Desvarios no Brooklyn, parece muito diferente dos malabarismos técnicos visíveis em Homem no Escuro ou Invisível. Definitivamente, é outro Paul Auster. E muito melhor.

O enredo é de fácil entendimento – embora a carpintaria narrativa, constituída por fragmentos, forneça algumas complicações que talvez fossem desnecessárias. Cada um dos personagens significativos (Miles Heller, Big Nathan, Morris Heller) conduz uma das partes do romance – esses três capítulos deságuam em uma espécie de desfecho coletivo.

Sunset Park é um romance pessimista. Além disso, como um desses remédios amargos que é necessário engolir para prevenir doenças mais graves, não há humor. Contraditoriamente, seja pelo tom narrativo, seja pelo fluir suave das frases, não é leitura pesada, não é um tratado da angústia.

Cada um dos personagens fulcrais precisa lidar com tipos especiais de abandono. Ao mesmo tempo, todos eles precisam superar as regras de comportamento estabelecidas pela macroestrutura – e que, de uma forma ou de outra, lhes parecem incompreensíveis.

Quando Big Nathan decide ocupar uma casa abandonada em região afastada do Brooklyn, e convida os amigos para participarem desse ato de desobediência civil, está estabelecendo, entre tantas questões pouco práticas, que a amizade deve se impor aos interesses mercantilistas que regem as regras de mercado. Deixar de pagar aluguel é questão secundária diante do ato libertário que é a vida comunitária.

Morris Heller vive a transição entre duas gerações, a do seu pai e a do seu filho. Dentro deste hiato afetivo está a segunda esposa. Alguma coisa não encaixa bem. Parece faltar alguma peça do quebra-cabeças. Ou sobrar. Assim, precisa superar as crises da esposa, a morte do filho adotivo, a fuga do filho legítimo, o desamparo de quem perdeu as relações familiares.

Miles Heller, por outro lado, parece ser o típico filho da burguesia que não está preparado para carregar nos ombros a culpa. O acidente que resultou na morte de seu meio-irmão o impele na direção da autodestruição emocional. Faltam-lhe perspectivas para enxergar o horizonte. Sair de casa, abandonar a faculdade, viver como nômade – faces da questão que ele não consegue (ou não quer) resolver. No final do romance, quando se envolve em outra confusão, o narrador resume a sua situação dizendo: (...) e ele se pergunta se vale a pena esperar um futuro quando não há futuro nenhum, e de agora em diante, ele diz para si mesmo, vai parar de esperar por qualquer coisa e viver só para o agora, este momento, este momento que passa, o agora que está aqui e depois não está mais, o agora que se foi para sempre.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

NANNI MORETTI E O PAPA

Em 1973, quando tinha 20 anos, Nanni Moretti comprou uma câmera super 8. Pagou pelo equipamento com o dinheiro obtido com a venda de uma coleção de selos. O seu primeiro filme, La Sconfita, relata a história de um militante político em 1968.

Contaminado pelo furor do cinema, depois desse primeiro trabalho, Moretti nunca mais parou. Dirigiu e atuou em 19 filmes, onde a política e humor estão sempre presentes – com efeitos devastadores.

Caro Diário (1994), O Quarto do Filho (2000) e O Crocodilo (2006) provavelmente são os mais conhecidos.

Os bastidores da igreja sempre resultaram em interessante tema literário. Basta lembrar alguns trechos do Decamerão (Giovanni Boccaccio, 1348-1353) ou de romances como Os Subterrâneos do Vaticano (André Gide, 1914), As Sandálias do Pescador (Morris West, 1963) e Anjos e Demônios (Dan Brown, 2000) – todos adaptados ao cinema. Isso para não mencionar milhares de páginas escritas (e filmadas) sobre a mitologia que envolve os nomes de duas das mais tradicionais famílias italianas: Médici e Bórgia.

Habemus Papam, que concorreu no Festival de Cannes, em 2011, ridiculariza duas das maiores instituições anestésicas da modernidade: a religião e a psicanálise. Sem piedade, Nanni Moretti as coloca na cadeira dos réus e decreta aberta a sessão do tribunal. Não lhe interessa a condenação. Quer, no máximo, mostrar o quando são absurdas como instrumentos de domesticação social.

O Papa está morto. Seguindo o protocolo católico, cabe designar o seu sucessor. O conclave se reúne. Depois de alguma indecisão e muitas votações, quando alguns dos favoritos vão sendo descartados, os cardeais decidem pelo nome do Melville (ecoando no horizonte o mantra de Bartebly, o escriturário: Prefiro não fazer).

Movido por algum mecanismo emocional complicado, o escolhido não se sente apto para assumir o cargo. Falta−lhe coragem para enfrentar a multidão que está reunida na Praça de São Pedro. Deprimido, se recusa a abençoar o povo. Abre−se uma fenda no ritual. Ninguém sabe o que fazer. No desespero de causa, o porta−voz do Vaticano (interpretado por Jerzy Stuhr) solicita a ajuda de Brezzi, um psicanalista (Nanni Moretti). Obviamente, o médico esbarra em diversos interditos terapêuticos. Não é possível (por motivos religiosos e políticos) abordar questões sexuais, problemas edipianos, sonhos, fantasias e desejos não realizados. Também está proibido investigar a infância. Evidentemente, isso cria outro impasse

O Papa que não quer ser Papa (interpretado pelo magistral ator francês Michel Piccoli), durante uma consulta médica, consegue fugir da Guarda Suíça e passa alguns dias no meio do povo. A solidão do poder é também a inquietação física. Sem ser reconhecido pela multidão, o Papa se hospeda em um hotel e passa a freqüentar lugares que, em situação normal, lhe seriam vetados: lanchonetes, loja de departamentos, um teatro (onde estão interpretando A Gaivota, de Anton Chekov).

Enquanto a segurança palaciana monta uma farsa para encobrir o desaparecimento do Sumo Pontífice, Brezzi organiza um torneio de vôlei entre os cardeais. É o non-sense tomando conta da arquitetura narrativa e revelando, de forma pouco usual, que a diferença entre a loucura e a lucidez talvez esteja restrita ao papel que escolhemos interpretar no teatro da vida.

Por fim, o Papa reaparece, mostra-se ao povo, no balcão do palácio e... Comprovando a triste metáfora do homem perdido na multidão, sem poder contar com a ajuda de Deus, renuncia ao cargo.

Humanista, Moretti retrata os cardeais como indivíduos cheios de falhas, incapazes de ultrapassar os impasses produzidos pela ética e pela moral. Não é pouco.