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quinta-feira, 23 de agosto de 2012

RODRIGUIANO NELSON

23 de agosto: dia do aniversário de Nelson Rodrigues. Um século. Tempo suficiente para inscrever o seu nome na lápide que decora esse cemitério de ideias que, na falta de expressão melhor, chamam de literatura brasileira.

Nelson, descrente, era um crente que frequentava missa. E, em nome da moral e dos bons costumes, decretava: O biquíni é uma nudez pior do que a nudez

Nelson sabia que o ser humano está à venda. É apenas uma questão de acertar o preço: O dinheiro compra até o amor verdadeiro.

Nelson era um desses sujeitos movidos por uma alegria estranha: rasgar o véu que encobre a hipocrisia. Especificamente, a brasileira – que finge que a distância entre a casa grande e a senzala está diluída no imenso carnaval que nos anestesia diariamente. O brasileiro, quando não é canalha na véspera, é canalha no dia seguinte.

Nelson sentia o sangue escorrer mais forte, mais rápido, toda vez que escavava as profundezas da alma. Desse abismo que é o inconsciente retirava fragmentos repulsivos, histórias sujas, loucuras inomináveis. No íntimo de cada indivíduo, o inconfessável. Todo tímido é candidato a um crime sexual.


Nelson adorava transformar fatos corriqueiros em tragédias. Sabedor de que seus leitores (voyeurs de segunda categoria) enlouqueciam ao descobrir que um Sonho de Valsa quase intocado havia sido deixado em cima da mesa, antes que a adultera permitisse, no escuro da pracinha, que a mão canalha avançasse pela coxa, invadindo intimidades, não se incomodava em escrever, reescrever, transcrever, contar, recontar, transcontar esse tipo de histórias. Adorava contos de fadas. Ou melhor, cantos de fodas, ais e uis ecoando sincronicamente nos ouvidos dos leitores. Sexo é para operário.

Nelson, anjo pornográfico, várias vezes cinematográfico, flor de obsessão, era capaz de escandalizar o Diabo: Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.

Nelson escreveu reportagens, crônicas, contos, romances, folhetins, teatro. Enquanto A vida como ela é assustava as almas mais gentis, ele deixava o bonde passar e disfarçava o desconforto com o pseudônimo de Susana Flag. Não há um único e escasso personagem de romance, neste País, que saiba cobrar um escanteio.

Nelson, diante da máquina de escrever, decretava: Toda nudez será castigada. Dezenas de epopeias suburbanas descritas em cores dramáticas, por personagens descoloridos: o homossexual que se enforca vestido de noiva, a mulher insatisfeita com o marido e que somente encontra satisfação no aviltamento sexual, o pai de família repressor e mulherengo, o rapaz que descobre estar apaixonada pela irmã.

Nelson, tantas vezes acusado de reacionário, imaginou um mundo em que a Grécia mítica arranhava o coração suburbano. Nesse teatro particular, gargalhadas acompanharam o abrir das cortinas. Toda a história humana ensina que só os profetas enxergam o óbvio.



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