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terça-feira, 30 de outubro de 2012

CAIRO 678

A razão econômica impede que determinados filmes sejam exibidos nas salas comerciais de cinema. Isso, obviamente, não impede que o cinema (principalmente aquele que está escorado em questões políticas) continue denunciando as diversas formas de opressão social.

A distribuição comercial desses filmes precisa ser mais criativa. Prêmios em festivais, exibições nos circuitos alternativos e a reprodutibilidade técnica, principalmente o DVD, são algumas das formas de divulgação de um cinema que não está conectado com a necessidade primária de ganhar dinheiro.

Inspirado em fatos reais, o filme Cairo 678 (dir. Mohamed Diab, 2010) mostra as dificuldades que envolvem a luta pelos direitos das mulheres no mundo muçulmano. Construído em torno do encadeamento narrativo (uma história conectada com outra), a narrativa se concentra em uma espécie de primavera árabe feminista.

Na sociedade egípcia, as relações (muitas vezes conflituosas) entre homens e mulheres transitam por diversas normas comportamentais. Uma delas estava relacionada com o comportamento sexual em lugares públicos − principalmente em espaços de grandes concentrações humanas. Por diversas questões, inclusive religiosas, as mulheres não possuem o costume de registrar queixa policial contra o assédio sexual (isso implica em expor publicamente a vida privada).

O mundo machista, patriarcal e autoritário transforma a omissão em prática social. Como reação a esse desproposito, três mulheres de classes sociais, culturais e econômicas diferentes (Fayza, Seba e Nelly) se insurgem.

Fayza, casada com Adel, mãe de duas crianças, não encontra mais prazer no leito conjugal. Também não se sente bem com a forma constante com que as práticas de assédio ocorrem dentro dos ônibus urbanos. Por isso, costuma usar taxi – o que não a impede de chegar atrasada no cartório onde trabalha. Somando problemas domésticos, falta de dinheiro e constrangimento, vai acumulando ressentimentos e frustrações.

Seba, casada com o milionário Sherif, grávida, vai a uma partida de futebol com o marido. Durante as comemorações pela vitória egípcia, acaba engolida pela multidão. Traumatizada, aborta. Mais tarde, quando o marido pede explicações para a separação, ela resume a questão: Você não estava comigo, quando precisei.

Em um programa de televisão, Seba, profundamente indignada com a situação, propõe criar grupos de apoio contra o assédio sexual. Várias mulheres comparecem, mas nenhuma se predispõe a denunciar a situação. Fayza é uma das participantes.

Nelly, noiva de um bancário, operadora de telemarketing, costuma ouvir propostas indecentes quando está trabalhando. Freqüentemente se revolta contra essa violência. Um dia, ao atravessar a rua para ir à casa de sua mãe, foi apalpada por um motorista. Sem pensar muito no assunto, corre atrás do agressor e, embora seja atropelada, consegue alcançá−lo. Com a ajuda de alguns transeuntes, e de familiares, prende o sujeito. Na delegacia, o policial quer registrar a acusação de agressão física e não a de assédio sexual.

Fayza deflagra uma situação−limite. Bolinada dentro do ônibus, linha 678, reage e, com a ajuda de um estilete, machuca o agressor. Em pouco espaço de tempo, outros dois homens também são feridos de maneira similar, despertando a curiosidade da polícia – que começa uma investigação.

Utilizando o poder de repressão estatal, o comissário de polícia determina ao seu assistente:

− Preciso de informante nos ônibus.
− Sabe quantos ônibus são?
− Não, mas sei quantos informantes existem.

Não demora muito e as três mulheres (Fayza, Seba e Nelly), por suas idéias, pela forma como reagem ao domínio masculino, são identificadas como causadoras potenciais de problemas. São advertidas e mandadas para casa.

Os desdobramentos posteriores revelam várias questões similares. A grande exceção está na postura de Omar, o noivo de Nelly. Pressionado pelo trabalho no banco, pelas tradições familiares, no momento oportuno renega essas formas de tirania social e resolve apoiar Nelly, quando ela denuncia o assédio sexual. O silêncio feminino, nesse momento, se transforma em grito contra o abuso masculino.

O destino de Fayza e Seba não muda ao final do filme, mas há um aceno por novos dias. Dias esses que não deveriam repetir a grande metáfora de Cairo 678 − Magda, a esposa do comissário de polícia, morre durante complicações no parto. O marido, como quase todos os homens desse filme, chegou atrasado ao momento em que ela mais precisava de ajuda.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A BIBLIOTECA PÚBLICA E EU

Eu não tinha mais de quatorze anos quando pisei pela primeira vez na Biblioteca Pública de Lages − localizada no primeiro andar de um casarão, na Rua Nereu Ramos. Isso foi lá por 1972 ou 73. Sem consciência dos horrores político−militares que aconteciam no país, depois de ter devorado todo acervo da biblioteca do Centro Educacional Vidal Ramos Júnior, colégio onde estudei durante vários anos, era hora de ampliar horizontes e leituras.

O menino, que escondia atrás da leitura uma família esfacelada, ficou espantado com tantos livros. De imediato, começou a brincar no parque de diversões. Devorou os vinte e tantos volumes de Karl May, um escritor atualmente esquecido e que, naqueles dias, era (guardadas as proporções) tão importante quanto J. K. Rowling (a autora de Harry Potter). Depois, foi descobrindo − de forma intuitiva − outras formas de se relacionar com o conhecimento.

As tardes passavam rápidas e os mundos revelados pela coleção Terra−mar−e−ar iam construindo outros mundos (para onde era possível fugir toda vez que a vida se mostrava insuportável).

Em 1975, a Biblioteca Pública mudou de endereço: Parque Jonas Ramos, o Tanque. Foi lá que conheci Ângela Figueiredo. Ela foi a primeira bibliotecária a propor um novo entendimento para o espaço. Em lugar de um depósito de livros velhos e jornais amarelados, ambicionava transformar o local em algo mais. Nesse sentido, não mediu esforços para promover exposições de artes plásticas, grupos literários e sessões de autógrafos. Em alguns momentos, os integrantes do Grupo Teatral Gralha Azul passavam por lá e organizavam oficinas para confecção de bonecos.

Alegando que eu conhecia o acervo melhor do que alguns funcionários, Ângela me ofereceu emprego. Recusei. Trabalhar na biblioteca me parecia uma repetição da síndrome de Borges – estar cercado de livros e, ao mesmo tempo, impedido de ler o que quisesse no momento em que quisesse. Resisti o quanto foi possível.

O tempo foi modificando a vida. A Biblioteca também não esteve imune a esse processo. Sob a direção de Sandra Varela, que oxigenou o local (com idéias, com propostas, com a ampliação do acervo), a atividade cultural foi intensificada. Quem queria alguma coisa além da mediocridade, freqüentava a biblioteca.

No âmbito pessoal, a vida me empurrou na direção do serviço público. Um pouco a contragosto, em 1985, aceitei assessorar o Departamento de Cultura (que estava localizado no andar superior da Biblioteca Pública). Foi divertido. Entre as sessões de cinema (projetor de 16 mm) em associações de moradores e os sanduíches de mortadela com cerveja quente, seguindo o conceito pouco prático de debater todas as ações culturais, havia ciclos de discussões intermináveis sobre o nada. Transformar o mundo dava um trabalho danado.

Sempre que possível, eu fugia do serviço e descia as escadas (para ler, para conversar, para respirar). As pressões políticas sempre me pareceram excessivas e somente no meio das estantes era possível acreditar que a vida tinha outro andamento. Alguns anos depois, quando tive contato com a obra de Walter Benjamin, foi fácil entender a solidão do pesquisador na Biblioteca de Paris, cercado de livros, ameaçado pela barbárie.

Lendo jornais ou filosofando na companhia de pessoas como Fernando Karl, Nereu de Lima Goss (falecido), Estevam Borges (falecido) ou os irmãos Antônio Wolff (falecido) e Leônidas Miguel Wolff estreitei relações afetivas e ampliei o entendimento do mundo. Enfim, parte de minha educação intelectual foi forjada na Biblioteca Pública.

Uma crise no governo municipal levou a vários pedidos de demissão. Como optei por conservar o emprego, fui transferido para um lugar ermo − onde passei quase oito meses ouvindo discos de jazz e lendo alguns clássicos. Também consegui escrever uma meia dúzia de poemas. Se a idéia era me castigar, a única coisa que posso dizer desse período é que "eles" eram muito idiotas.

Como minhas finanças particulares estavam quase equilibradas (leia−se: estava conseguindo pagar a conta em A Sua Livraria), a Biblioteca Pública ficou um pouco de lado. Mesmo assim, estive presente em vários momentos. Seja para emprestar livros, seja em eventos. Lembro, por exemplo, de uma sessão de autógrafos com Guido Wilmar Sassi e Nereu Correa. Nesse dia, Licurgo Costa fez um discurso bastante enfático propondo que a Biblioteca mudasse de nome. Segundo o embaixador, ela deveria se chamar Paulo Setubal − em homenagem ao escritor paulista que morou em Lages na transição do século XIX para o XX. Essa proposta não conseguiu muitos adeptos. Não faltou quem lembrasse que, em Confiteor (o livro de memórias de Setubal), ele comenta que foi em Lages que conheceu três atividades: a bebida, o jogo e a prostituição.

Provavelmente isso é verdade. Mas, como somente é possível no interior do país, a moral e os bons costumes criam ressentimentos e a história da cidade precisa ser preservada de certas nódoas.

Outro episodio divertido ocorreu quando um leitor foi procurar pelo exemplar de Ao Vencedor, as Batatas, clássico estudo literário sobre Machado de Assis, escrito por Roberto Schwarz. Ao reclamar no balcão que não o estava encontrando, o funcionário (que havia sido transferido recentemente) não teve duvidas e recomendou procurar na sessão de agricultura. O livro estava lá.

Nos últimos anos, embora estivesse ausente fisicamente, acompanhei os incansáveis esforços da Miriam de Fátima Machado Rosa para superar barreiras e o embotamento administrativo. Vi absurdos e maravilhas. Lamentei as intermináveis infiltrações na estrutura do prédio. Quase soltei fogos de artifício quando permitiram aos usuários o acesso à Internet.

Infelizmente, por motivos que fogem da lógica mais elementar, há pouco interesse do poder publico em elaborar projetos de financiamentos e, conseqüentemente, resolver problemas básicos. Ampliar o acervo, contratar funcionários qualificados em biblioteconomia e pesquisa histórica, gerar instrumentos de interesse e extensão comunitária, transformar o prédio em um centro cultural – essas e outras demandas deveriam ser resolvidas a curto e médio prazo. Provavelmente nunca serão. A cultura nunca encontra lugar na mesa de negociação política.

Então, nesse deserto de idéias que edulcora a vida provinciana, só me resta desejar que a Biblioteca consiga sobreviver outros 60 anos. Na medida do possível, estarei junto.


P.S: A primeira foto é de autoria de Francisco de Assis, dileto amigo.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O QUE MAIS DESEJO

Delicadeza não se escreve com palavras, ideogramas, imagens, gestos ou intenções. Para encontrar a delicadeza cabe misturar os sentimentos com a doçura, se esquivar da grosseria, tanger a suavidade, trocar a crueldade pela poesia.

O diretor de cinema japonês Hirozaku Kore−Eda conseguiu vislumbrar a delicadeza duas vezes. A primeira foi com o belíssimo Ninguém pode saber (Dare mo shiranai, prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes de 2004). Sete anos depois, O Que Eu Mais Desejo (Kiseki, 2011) se mostra igualmente tocante e belo.

No Japão ocidentalizado, o menino Koichi Osako, 12 anos, sonha com o dia em que a sua família estará reunida outra vez. O pai e a mãe se separaram. Os filhos foram repartidos. Koichi mora com a mãe e os avós em Kagoshima, ao sul da ilha de Kyushu. O irmão mais novo, Ryu, mora com o pai, em Fukuoka, ao norte da mesma ilha.

Um dia, na escola, Koichi ouve alguns amigos falando que quando dois trens-bala se cruzam ocorre um instante mágico. Os pedidos feitos nesse local, nesse instante, são atendidos.

Koichi imagina que deve tentar salvar a união familiar. Com a ajuda de dois amigos, elabora um plano. Quer ir ao cruzamento ferroviário e pedir que os pais se reconciliem. Como esse lugar fica longe, quase na metade da distancia da cidade em que o pai e o irmão estão morando, começa a juntar dinheiro para pagar as passagens e a comida.

Simultaneamente, os irmãos estão em contato permanente e gostam de ouvir a voz um do outro ao telefone. Então, combinam se encontrar no cruzamento ferroviário para estabelecer o início de um tempo em que todos estarão juntos outra vez.

Koichi e Ryu são diferentes, incrivelmente diferentes. Koichi é introspectivo, ligeiramente melancólico, educadíssimo. Suas ações são elaboradas, cheias de detalhes. Ryu é alegre, expansivo e prático. Costuma usar o tom imperativo ao falar. Quando o pai (que é músico) chega do trabalho, completamente bêbado, o menino lhe explica (com frases simples, diretas) que precisa de dinheiro para viajar, para encontrar o irmão. E não deixa espaço para a negação. Nesse momento, o espectador percebe – sem nenhuma dúvida − qual dos dois é o adulto.

O encontro das sete crianças (os dois amigos de Koichi, os três amigos de Ryu) está escorado em motivos diferentes. Com exceção das duas meninas (ser atriz, desenhar melhor), os motivos que os levam a essa aventura não parecem ter utilidade. Mas, obviamente, não é isso o que importa. O esforço deve contemplar valores maiores.

Na hora exata em que os trens-bala passam, Koichi fica calado. Aflito, percebe que não deve interferir no destino. O que mais deseja não pode se realizar. Não adianta ter os pais juntos se eles continuarem brigando, se continuarem agindo como crianças. A decepção é irmã siamesa do amadurecimento emocional.

Ryu também não pede pela reconciliação familiar. Para o irmão menor, algumas questões são mais importantes do que pedir pela restauração de um tempo que não existe mais. Estar junto do irmão mais velho, mesmo que seja apenas por um dia, lhe parece mais racional. Somos irmãos. Estamos ligados por um fio invisível, diz.

A presença das crianças no cruzamento ferroviário, semelhante a uma fábula, festeja a fantasia. Provavelmente, algum tempo depois, haverá outros encontros similares. Também haverá expansão da ternura e do afeto.

A amizade, em algumas circunstâncias, deve ser entendida como uma benção – delicada como a infância.

Hirozaku Kore−Eda, diretor de O Que Eu mais Desejo (2011) e Ninguém Precisa saber (2004)

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

CINQUENTA TONS MAIS ESCUROS

Encontrei um conhecido na livraria. Ele estava comprando Cinquenta Tons mais Escuros, segundo livro da trilogia escrita por E. L. James.

− Minha esposa leu o primeiro. Gostou. Pediu−me que comprasse o segundo.

Calado estava, calado continuei. Em confusões de marido e mulher não se deve meter a colher, como dizia minha avó. Além disso, esse tipo de conversa costuma derivar para exemplos práticos e comentários inadequados sobre a circunstância, inclusive sobre problemas sexuais na vida do casal. A boa educação recomenda mudar de assunto.

Ao ver a pilha de exemplares de Cinquenta Tons mais Escuros em lugar privilegiado da livraria, também omiti que a vida é muito curta para se perder tempo com livros ruins. Infelizmente não foi possível pronunciar essa frase impactante (própria para círculos seletos). Ela está envolta em mentiras. Eu li o livro. Com alguma dificuldade, mas li. Em vários momentos pensei em abandonar a leitura. Os inumeráveis defeitos se sobrepõem a quase nenhuma qualidade.

Christian Grey, o protagonista, não bastasse possuir riqueza econômica e potência sexual ilimitada, alinha tantas qualidades que se torna inverossímil: pilota helicóptero, planador, catamarã e dezenas de carros esportivos, toca piano, luta kickboxing. Nenhum humano consegue se aproximar desse modelo ficcional.

Ao mesmo tempo, possui a personalidade ciclotímica de um adolescente mimado. Desses que somente encontram o caminho para Damasco no corpo de alguma mulher caridosa. Anastasia (Ana) Steele não se sente desconfortável ao vestir essa metáfora de terceira qualidade, muito diferente das roupas de grife que usa, e que, por vias transversas, travessas, institui a síntese de um dos sonhos femininos em relação ao parceiro: (...) acho que estou fazendo um belo trabalho em domesticar você.

Isso não é de todo verdade, o sujeito (que não passa de um filho-da-puta manipulador) apresenta boa resistência aos impactos da vida – exceto no capítulo treze, quando o homem forte, autoritário, agressivo, se transforma em cachorrinho submisso. Talvez seja a cena mais degradante de todo o livro. Claro que isso tem explicação. Enquanto o sujeito verbaliza (com alguma dificuldade) as crueldades de que foi vítima na infância, a narradora (que está longe da grafia da dor) despeja toneladas de frases ruins e conselhos dignos dos piores autores de autoajuda. No meio da lenga-lenga, amplia o vocabulário dos leitores ensinando que hafefobia (medo de ser tocado) e parassonia (terror noturno) são palavras adequadas para elucidar o mistério que cerca Christian Grey.

Sintomaticamente, mãe é uma palavra-chave nesse romance quase sem enredo. Em determinado momento, o sujeito confessa que é um sádico porque ele vê nas mulheres que degrada uma projeção da mãe biológica - que o abandonou. Ela era prostituta e viciada em drogas. O canalha quer esvaziar suas carências afetivas chicoteando outras mulheres.

Não é preciso ser freudiano para entender que esse indivíduo precisa de tratamento especializado. Então, para não desmentir o clichê psíquico, Christian frequenta o divã de um charlatão, que aparece em duas ou três cenas para pronunciar algumas bobagens aparentemente inteligentes.

De qualquer forma, como o teatro da perversidade não funciona da maneira que Christian gostaria que funcionasse, ele pede Ana Steele em casamento. Desta maneira ridícula, típica de romances convencionais do século XIX, o show se completa. O homem poderoso, projetando a imagem do Príncipe encantado, se ajoelha diante da mulher frágil, que só quer ser feliz. Cumpre-se a primeira parte do plano: domesticar o animal selvagem – e que, maternalmente, deve ser protegido da extinção.

Sei. O que ninguém sabe é suportar o bordão favorito da narradora. A expressão Minha deusa interior está espalhado pela narrativa de forma exaustiva. É provavelmente o elemento mais grotesco que a literatura produziu e teve coragem de publicar.

Enfim, para não ir muito longe, um dos maiores problemas da modernidade está em descobrir o que fazer com o lixo que não pode ser reciclado. Uma possível alternativa é ignorar essa chatice chamada Cinquenta Tons mais Escuros.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

MO YAN, ILUSTRE DESCONHECIDO


Aconteceu outra vez. A Real Academia Sueca anunciou o nome de um desconhecido como o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 2012. Desta vez, o chinês Mo Yan, 57 anos.

Seguindo a tradição, interesses políticos e econômicos se impuseram. Escritores de qualidade literária comprovada como Philip Roth (Estados Unidos), Amós Oz (Israel) e Ismail Kadaré (Albania) foram preteridos – outra vez.

Com cerca de um sétimo da população mundial, a China está vivendo momentos de abertura política e econômica. Seguindo as influências da globalização, o mundo literário chinês se tornou parte do mercado capitalista. Para o Brasil, por exemplo, a China se tornou uma mina de ouro. O romance A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães (1825−1884), vendeu mais de 500 mil exemplares. Esse sucesso foi impulsionado pela versão televisiva, que foi assistida por milhões de espectadores. Outros empreendimentos similares estão sendo planejados para, na medida do possível, gerar boas divisas comerciais.

Em contrapartida, alguns autores chineses estão sendo publicados no Brasil. Nenhum deles conseguiu despertar alguma atenção significativa. Nem mesmo Gao Xingjian, que foi o primeiro chinês a receber o Premio Nobel (2000). Nomes como Ha Jin, Ting−Xing Ye, Guo Jingming, Su Tong e Jung Chang parecem estar envoltos em um exotismo quase inexpugnável e que poucas vezes foi rompido, como é o caso do romance autobiográfico Balzac e a costureirinha chinesa", escrito por Dai Sijie, que teve uma versão cinematográfica de boa qualidade (dir. Dai Sijie, 2002). Talvez os escritores chineses com melhor aceitação no mercado editorial brasileiro sejam Da Chen (A Montanha e o Rio) e Yu Hua, de quem foram publicadas traduções de Viver, Irmãos e Crônica de um Vendedor de Sangue.

Nenhum dos livros de Mo Yan (Não fales, em mandarim), pseudônimo de Guan Moye, foi editado no Brasil. No entanto, existem várias traduções em inglês, francês, alemão e espanhol. Alguns desses textos foram adaptados ao cinema, sendo que o mais famoso é Red Sorghum (dir. Zhang Yimou, 1988), ganhador do Urso de Ouro do Festival Internacional de Berlim. Também são baseados em romances de Mo Yan os filmes Happy Times (dir. Zhang Yimou, 2000), derivação de Shifu: You’ll do Anything for a Lauch, e Nuan (dir. Jianqi Huo, 2003), vencedor do Festival de Cinema de Tóquio, baseado em White Dog Swing.

Um dos maiores difusores no Ocidente da obra literária de Mo Yan é Howard Golblatt, professor de chinês na Universidade Notre Dame (Estados Unidos), que traduziu, entre outros, The Republic of Wine: A Novel, Big Breasts and Wide Hips e Life and Death are Wearinning me out.

Por conta dessa notoriedade (completamente ignorada no Brasil), Mo Yan, que escreveu romances, contos e ensaios literários, ganhou o Prêmio Newman para literatura chinesa em 2009 e o prêmio quadrianual Mao Dun, em 2011.

Segundo a crítica especializada em literatura oriental, Mo Yan, que escreve em chinês tradicional, utilizando papel e pincel, costuma situar suas histórias na China rural, principalmente a região Nordeste. Embora mostre forte conteúdo crítico sobre circunstâncias sociais, utiliza figuras literárias que lembram o Realismo Mágico. Entre os seus autores favoritos estão François Rabelais, William Faulkner, Gabriel Garcia Marquez e Kenzaburo Oe.

Pouco se sabe sobre a vida de Mo Yan, nascido em 1955, na província de Shandong. Serviu o exército, aos 20 anos, como funcionário de segurança e instrutor político e de propaganda. Em 1978, tornou−se professor de literatura na Academia Cultural do Exército. Publicou The Crystal Carrot and Others Stories, seu primeiro livro, em 1986. Concluiu o mestrado em literatura, na Universidade de Beijing, em 1991.

O romance Wa (), publicado recentemente, critica a política estatal de controle de natalidade (um casal, um filho), que resulta em prática freqüente de abortos na China.


quinta-feira, 11 de outubro de 2012

INTELIGÊNCIA - TRÊS DÚZIAS DE FRASES

O primeiro método para estimar a inteligência de um governante é olhar para os homens que estão ao seu redor. (Nicolau Maquiavel)

Nunca existiu uma grande inteligência sem uma veia de loucura. (Aristóteles)

O primeiro dever da inteligência é desconfiar dela mesma. (Albert Einstein)

Cuidado para não chamar de inteligentes apenas aqueles que pensam como você. (Ugo Ojetti)

A imaginação é mais importante que o conhecimento. (Albert Einstein)

É prova de inteligência saber ocultar a nossa inteligência. (François La Rouchefoucauld)

A inteligência é invisível para quem não tem nenhuma. (Arthur Schopehauer)

Intelectual é um sujeito que não sabe estacionar uma bicicleta. (Spiro Agnew)

Saber muito não lhe torna inteligente. A inteligência se traduz na forma que você recolhe, julga, maneja e, sobretudo, onde e como aplica esta informação. (Carl Sagan)

As mulheres inteligentes sempre se casam com idiotas. (Anatole France)

A mulher mais idiota pode dominar um sábio. Mas é preciso uma mulher extremamente sábia para dominar um idiota. (Rudyard Kipling)

O maior prazer de um homem inteligente é bancar o idiota diante do idiota que quer bancar o inteligente. (Confúcio)

Devem-se escolher os amigos pela beleza, os conhecidos pelo caráter e os inimigos pela inteligência. (Oscar Wilde)

Que sorte possuir uma grande inteligência: nunca te faltam asneiras para dizer. (Anton Tchekov)

A força sem inteligência é como o movimento sem direção. (Marquês de Maricá)

É melhor calar-se e deixar que as pessoas pensem que você é um idiota do que falar e acabar com a dúvida. (Abraham Lincoln)

Autodidata é um ignorante por conta própria. (Mário Quintana)

As mulheres levam uma vantagem injusta sobre os homens: se não conseguem o que querem sendo inteligentes, podem consegui-lo sendo burras. (Yul Brynner)

Pode-se ver um monte de sujeitos inteligentes com mulheres burras, mas você dificilmente verá uma mulher inteligente com um sujeito burro. (Erica Jong)

A estupidez coloca-se na primeira fila para ser vista; a inteligência coloca-se na retaguarda para ver. (Bertrand Russel)

Não estou negando que as mulheres sejam umas tontas. Deus as fez assim, para combinar com os homens. (George Eliot)

A inteligência é o único meio que possuímos para dominar os nossos instintos.(Sigmund Freud)

Quanto mais inteligente for um homem, mais originalidade ele encontra nos outros. Os medíocres acreditam que todos são iguais. (Blaise Pascal)

É preciso ter espírito para falar bem; para ouvir bem basta a inteligência. (André Gide)

Amar as mulheres inteligentes é um prazer de pederastas. (Charles Baudelaire)

A marca de uma inteligência de primeira ordem é a capacidade de ter duas ideias opostas presentes no espírito ao mesmo tempo e nem por isso deixar de funcionar. (Scott Fitzgerald)

Cleópatra era vastamente lida, versada em matemática e ciências naturais e falava fluentemente sete línguas. Se não fosse mulher, teria sido considerada uma intelectual. (Joseph L. Manckiewicz)

Inteligência não é não cometer erros, mas saber resolvê-los rapidamente. (Bertold Brecht)

Algumas mulheres ficam ansiosas para fazer a coisa errada corretamente. (Saki)

O homem culto é apenas mais culto. Nem sempre é mais inteligente que o homem simples. (Hermann Hesse)

Aprendi mais com a primeira mulher burra por quem me apaixonei do que com tudo que meu cérebro me ensinou. (George Bernard Shaw)

Inteligência militar: uma contradição em termos. (Groucho Marx)

Um palpite feminino acerta muito mais na mosca do que uma certeza masculina. (Rudyard Kipling)

Sherazade é um exemplo clássico da mulher que salvou a própria cabeça ao usá-la. (Esmé Wynne-Tyson)

O que é um intelectual? Apenas um homem que descobriu alguma coisa mais interessante do que mulheres. (Edgar Wallace)

Quanto mais inteligente for um homem, mais originalidade ele encontra nos outros. Os medíocres acreditam que todos são iguais. (Blaise Pascal)

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

PROCURANDO JULIAN, VERSÃO BRET EASTON ELLIS

Em algumas regiões orientais costuma−se dizer que Não se deve voltar aos lugares em que fomos felizes. Mesmo sabendo que estava correndo grande perigo, Bret Easton Ellis discordou dessa tese e escreveu seqüência para um dos seus maiores sucessos. Abaixo de Zero (publicado em 1995) teve continuação com Suítes Imperiais (publicado em 2010).

Tendo como cenário a cidade de Los Angeles e a superficialidade daqueles que orbitam em torno da indústria cinematográfica, os dois livros estão inspirados pela trilogia (sexo, drogas e rock−and−roll) que alimenta os ritos de passagem que separam a adolescência e a idade adulta. Clay, Blair, Julian, Trent e Kim (além de mais uma dezenas de pós−adolescentes que aparecem e desaparecem de cena com incrível rapidez) somente se preocupam em extrair o máximo de prazer da vida. Rip, o traficante, garante que os paraísos artificiais se renovem a todo instante.

Saindo de uma festa para participar de outra, trocando de parceiros sexuais, consumindo álcool e cocaína até entrarem em coma, os herdeiros dos herdeiros do capitalismo predatório desconhecem limites éticos e morais. Ao sacarem da carteira o cartão de crédito ilimitado, eles convencem a si mesmos (e aos que estão próximos) que tudo está à venda, e que os escrúpulos mais prosaicos são inúteis.

Clay, talvez porque escapa quase incólume do abismo, talvez porque não consegue olhar para a tragédia sem sentir um pouco de náusea, é o narrador nos dois livros. Utilizando linguagem ágil e incisiva, apresentando um texto fragmentário (muitas vezes desconexo), ele conta − de maneira obliqua – a degradação de Julian.

Embora o fio condutor do romance seja a história amorosa e social de Clay, Julian simboliza a grotesca procura por algum objetivo na vida. As inúmeras ocasiões em que os amigos de infância se desencontram, tomando caminhos e decisões diferentes, caracterizam a crueldade humana e a inutilidade do existir.

Julian é um personagem fugidio, que parece brincar de esconde-esconde com Clay. Viciado em heroína, está sempre precisando de grandes quantias de dinheiro. Como ocorre nesse tipo de situação, não é somente o vício que precisa de manutenção. O Porsche e o status que imagina possuir também custam caro. Em algum momento não especificado no texto, aceita se prostituir. Em quartos de hotéis cinco estrelas permite que desconhecidos (quase todos velhos) usem do seu corpo para satisfação sexual. Nas poucas (e raras) situações em que tenta resistir à degradação, sucumbe ao poder anestésico de novas doses da droga.

Só me interessa ver o pior, diz Clay, quando as festas na piscina ou nas boates da moda perdem a graça. Morbidamente, quer ver até que ponto o horror pode se manifestar. Descobre isso ao ver Julian sendo sodomizado. Algumas horas mais tarde, assiste Trent, Spin e Rip estuprarem uma menina de 12 anos. Convidado para a farra, Clay esboça um tímido protesto e, sem dizer nada, vai embora. Não quer participar, e, simultaneamente, se mostra incapaz de modificar a situação. Prefere voltar para a Universidade, no outro lado do país, onde − sem conseguir esquecer o que viu − escreve Abaixo de Zero.

O cinismo continua 25 anos depois. Em Suítes Imperiais, Clay (alguém ao mesmo tempo jovem e velho) se tornou um roteirista renomado. De volta a Los Angeles para ajudar na escolha do elenco do seu novo filme, comprova o quanto é fácil perder o contato com o que acontece no mundo. O torvelinho de violência sexual, consumo de drogas e alienação social se repete como se fosse o remake de algum trash movie. Envolto em um mosaico de juventude, um lugar a que você não pertence mais, Clay encontra Blair, a ex−namorada, casada com Trent. Julian não melhorou muito, continua um manipulador. Rip, como um fantasma, assombra a história de todos.

Depois de tanto tempo, o leitor percebe que os protagonistas ainda não amadureceram emocionalmente. Quase todos aceitam transformar o próprio corpo em um playground sexual. E isso significa que a bissexualidade não espanta a ninguém. Continuam usando cocaína. Há visível desprezo por todos aqueles que não pertencem ao grupo, que (na melhor das hipóteses) não passam de corpos sem identidade e que estão à venda como se fossem pedaços de carne em um açougue.

Julian conseguiu escapar das drogas. Gerencia uma agência de garotos de programa. Sua namorada, Rain, faz de tudo para conseguir um papel no filme de Clay. Nas horas vagas, a garota oferece sexo de qualidade para todos aqueles que possam transformar esse sonho em realidade – Clay, inclusive. Como ela também frequenta a cama de Rip, ciúme e chantagem são acrescentados à narrativa.

Desse enredo não poderia resultar em final feliz. Clay conclui que não passa de um idiota, que sempre esteve procurando chamar a atenção da primeira namorada. A visão do corpo de Julian, torturado barbaramente, o atormentará para todo o sempre.

O estadunidense Bret Easton Elis, nascido em 1964, escreveu vários romances polêmicos, sendo Psicopata Americano (1991) o mais famoso. Também publicou As Regras de Atração (1987), Os Informantes (1994), Glamorama (1998) e Lunar Park (2005). Foi traduzido em cerca de 30 idiomas. Há versões cinematográficas sofríveis de Abaixo de Zero (Less than Zero, Dir. Marek Kanievska, 1987), Psicopata Americano (American Psycho, Dir. Mary Harron, 2000), Regras de Atração (The Rules of Attraction, Dir. Roger Avary, 2002),  Glamorama (Glitterati, Dir. Roger Avary, 2004) e Os Informantes (The Informers, Dir. Gregor Jordan, 2009).


Trecho escolhido de SUÍTES IMPERIAIS:


Ela fecha os olhos com força e balança a cabeça de um lado para o outro, as lágrimas escorrendo pela cara.
− Você tentou me machucar – digo, afagando seu rosto.
− Foi você que fez isso a si mesmo – geme ela.
− Quero ficar com você – estou dizendo.
− Isso nunca vai acontecer – diz ela, virando a cara de mim.
− Pare de chorar, por favor.
− Nunca fará parte disso.
− E por que não? – pergunto. Coloco dois dedos dos lados de sua boca e forço−a a abrir um sorriso.
− Porque você é só o roteirista.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

JOVENS ADULTOS

Alguns indivíduos − habitantes desse pântano que os ingênuos chamam de modernidade − ambicionam reviver aqueles dias que desapareceram na curva do tempo e que, de alguma forma, deixaram rastros de felicidade. Uma impossibilidade, gritam (sem a mínima sensibilidade) os estraga−prazeres. Talvez tenham razão. Talvez não. Não importa. Para cada cínico ou descrente no poder de transformação das ações humanas, há milhares de resistentes, que alimentam a saudade sonhando acordado.

Em contrapartida, a realidade pré−existente, esbanjando crueldade, não perdoa aqueles que querem continuar jovens. Nenhuma dor se compara a do amadurecer. Essa parece ser a lição primordial que a vida ministra aos defensores de uma espécie de nova velha versão de Peter Pan.

Com roteiro de Diablo Cody (ganhadora do Oscar de 2007, categoria Roteiro Original, por Juno), o filme Jovens Adultos (Young Adult. Dir. Jason Reitman, 2011) mostra que algumas pessoas gostariam de poder usar um túnel do tempo - máquina capaz de impedir que o passado idealizado seja destruído pela passagem inexorável do tempo.

A escritora de romances juvenis Mavis Gary (Charlize Theron), 37 anos, divorciada, mora em Mini Apple (trocadilho infame, envolvendo Minneapolis e Nova York, conhecida como a Big Apple). Entre namorados circunstanciais e consumo maciço de álcool, leva uma vida vazia. E tudo piora quando recebe uma mensagem eletrônica anunciando que seu antigo namorado, Buddy Slade (Patrick Wilson), acaba de se tornar pai.

Esse alerta sobre o ritmo implacável da vida resulta em um surto emocional. Mavis, impulsivamente, resolve voltar para sua cidade natal (Mercury, Minnesota) com um objetivo determinado: reconquistar o ex−namorado. Focada no que gostaria que acontecesse (Com você é como se o tempo nem tivesse passado, diz Buddy), Mavis flerta, neuroticamente, com inúmeras recordações. Nem todas são agradáveis. Todas revelam um ser humano frágil, carente.

Aquela que foi rainha do baile de formatura e líder de torcida, para obter todas essas glórias colegiais, criou muitas inimizades e ressentimentos. São essas pessoas que encontra nos bares e nos eventos sociais (show de música, batizado da filha de Buddy).

Matt Freehauf (Patton Oswalt), gordo, nerd, deficiente físico, representa o oposto dos valores estéticos que Mavis sempre defendeu. Ao mesmo tempo, em sua companhia, ela encontra algum abrigo emocional.

Embalada por velhas canções gravadas em fitas cassetes − esquecidas dentro de caixas de sapatos – Mavis não parece ser capaz de perceber que o tempo, como se fosse um vendaval avassalador, carrega todas as verdades.

Jovens Adultos, filme classificado como comédia de humor negro, mostra, sem muitas sutilezas, que acordar do conto de fadas é traumático. Poucos conseguem encarar, de frente, a realidade.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O GRANDE ANO

Obsessão. Atrás de oito letras se esconde uma multidão de sentimentos devastadores. Ausência de amigos ou familiares, fraquezas de caráter, ambição desmedida. A lista é interminável. Talvez seja esse o preço a ser pago por quem pretende impedir que algo esteja ao alcance de outras pessoas. Na maioria das vezes, o prazer obtido com essa glória parece não ser importante o suficiente para justificar tamanho esforço.

Com um tema raro, o filme O Grande Ano (The Big Year. Dir. David Frankel, 2011), baseado no livro de Mark Obmascik, conta a história de Kenny Bostick (Owen Wilson), Brad Harris (Jack Black) e Stuart Preissler (Steve Martin). Viajando por todo o território estadunidense, muitas vezes em condições precárias, dezenas de homens e mulheres exercem um hobby pouco ortodoxo: observar (e fotografar) pássaros. Aquele que conseguir registrar a maior variedade de aves, durante um ano, é aclamado, por uma revista especializada, como o melhor observador de pássaros.

Metonímia da condição humana, o filme mostra, com leveza e graça – e algum humor −, aquele "algo a mais" que separa a normalidade mental da compulsão obsessiva. Subindo em árvores, se escondendo no meio de arbustos, atravessando lagos e pântanos, florestas e geleiras, esses fanáticos por tordos, pintassilgos, corujas, pelicanos, flamingos, pica-paus e estorninhos sonham em poder contar para os amigos que viram espécies raras. Ou seja, essas pessoas exercem uma atividade inofensiva e próxima do ridículo. Ou do lírico. Difícil precisar, pois esses dois qualificativos muitas vezes se confundem.

Para o último campeão, Kenny Bostick, observar pássaros está aquém de uma atividade complementar. A possibilidade de alguém superar o seu recorde o deixa fora de si. Sem medir esforços para atrapalhar a vida de possíveis concorrentes, em alguns momentos tangencia perigosamente as linhas do comportamento moral.

O empresário Stuart Preissler quer se aposentar. Entre alguns negócios que ainda estão pendentes e a vida que projetou para os seus últimos anos de vida, não precisa se preocupar com problemas econômicos. Embora não possa acompanhar os demais observadores de pássaros em alguns momentos, compensa esse pequeno dissabor com uma família estável (que o ama e o incentiva) e o primeiro neto.

Brad Harris, gordo e nerd, parece condenado ao desconforto. Sua habilidade com computação, um ouvido treinado para distinguir os sons emitidos pelas aves, acrescido da incompetência nas finanças, não lhe garantem sucesso social e profissional. Também recebe a reprovação paterna, que considera observar pássaros uma perda de tempo e de propósito.

This freaking birds!, exclama um dos personagens, a lastimar que a atividade de observar pássaros possa atrair a atenção e o tempo de quem deveria estar exercendo a rapinagem capitalista.

Ao final, os louros da vitória são outorgados para aquele que manifestou vontade de vencer. Em versão prosaica do mito faustiano, Bostiack, enquanto estava ocupado tentando superar os rivais, perde as referências que o humanizavam. Torna-se uma lenda – sem amigos, sem família. O sucesso sempre está acompanhado pela solidão.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

FAMÍLIA – VINTE E CINCO FRASES SOBRE O “AMOR FAMILIAR”

Eu sou totalmente a favor da mãe solteira porque sou frontalmente contra o pai casado. (Millôr Fernandes)

Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira. (Leon Tolstoi)

Todas as famílias felizes são mais ou menos diferentes. Todas as famílias infelizes são mais ou menos parecidas. (Vladimir Nabokov)

Não me interesso por irmãos. Meu irmão mais velho teima em não morrer e meus irmãos mais novos parecem querer imitá−lo. (Oscar Wilde)

Os parentes distantes são os melhores. E, quanto mais distantes, melhores. (Kim Hubbard)

Existem muitas coisas feias nesse mundo. É ate possível que irmãos se odeiem e se desprezem; isso acontece, embora pareça horroroso. Mas não se fala nisso. Dissimula−se. Ninguém precisa saber dessas coisas. (Thomas Mann. Os Buddenbrooks)

A família é como a varíola: a gente tem quando criança e fica marcado
para o resto da vida.
(Jean-Paul Sartre)

Cem homens podem formar um acampamento, mas é preciso uma mulher para se fazer um lar. (Provérbio Chinês)

As relações familiares são os lugares privilegiados da tragédia. (Jean−François Lyotard)

Um vício custa mais caro que manter uma família. (Honoré de Balzac)

Apenas em torno de uma mulher que ama se pode formar uma família. (Fredrich Schlegel)

"Sou favorável à heresia de Caim", costumava dizer com freqüência, "Deixo que meu irmão vá para o inferno à sua maneira." (Robert Louis Stevenson. O Médico e o Monstro)

Amigos são a família que nos permitiram escolher. (William Shakespeare)

Nobreza é o que resta dos ancestrais ricos depois que o dinheiro acaba. (John Ciardi)

Ter um irmão ou uma irmã (...) não suaviza a alma, é o que me ensinou a vida. Eu tinha oito irmãos, alguns eram tímidos, outros desembaraçados, uns bons e outros não tão bons. Nós estávamos sempre roçando uns nos outros como pedras dentro de um balde, mas arenito continuou arenito e quartzo continuou quartzo. (John Updike. Gertrudes e Cláudio)

Sou a favor de famílias grandes. Toda mulher deveria ter pelo menos três maridos. (Zsa Zsa Gabor)

Quando não suporto pensar nas vítimas dos lares desfeitos, começo a pensar nas vítimas dos lares intactos. (Peter de Vries)

Éramos onze na nossa família. O dinheiro era tão pouco que, à medida que íamos crescendo, tínhamos de usar as roupas uns dos outros. Eu não achava a menor graça naquilo – tinha dez irmãs. (Henny Youngman)

Família: pessoas que sentem falta de um mesmo espaço imaginário. Do filme: Garden State (Hora de Voltar. Dir. Zach Braff, 2004).

Não há homem mais amaldiçoado do que aquele que mata um familiar. (George R. R. Martin. O festim dos Corvos)

No início, os filhos amam os pais. Depois de um certo tempo, passam a julgá-los. Raramente ou quase nunca os perdoam. (Oscar Wilde)

Os parentes da esposa, seja qual for a exibição de respeito pelos méritos e autoridade de seu marido, sempre o vêem secretamente como um idiota, e com sentimento próximo da piedade. (H. L. Mencken)

Vou pôr essa geringonça na estrada. Vim até aqui com ela e espero que aguente até Winsconsin. Meu irmão mora lá. Não o vejo há 10 anos. Ninguém nos conhece melhor que um irmão da nossa idade. Ele sabe o que é e o que somos melhor do que ninguém. Eu e o meu irmão ofendemos um ao outro na última vez que nos vimos, mas estou tentando esquecer isso. Estou engolindo o meu orgulho com esta viagem, mas espero que não seja tarde demais. Irmão é irmão. Do filme: The straight story (História real, Dir. David Lynch, 1999).

A inveja não pode se dar entre pessoas que mal se conhecem. Não se invejam pessoas de outras terras ou de outras épocas. Não se invejam os forasteiros, e sim os da mesma aldeia; não os de mais idade, os da outra geração, e sim os contemporâneos, os camaradas. E a maior inveja se dá entre os irmãos. Não á a toa que existe a lenda de Caim e Abel... (Miguel de Unamuno. Abel Sanchez)

Depois de vinte anos de casados eles vivem como nos primeiros dias: com descaso total um pelo outro. (Millôr Fernandes)

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

CORAÇÃO


O coração não se aposenta. Coleciona cicatrizes.

Embriagados pelas promessas românticas que povoam o imaginário inventado no século XIX, os amantes embrulham em papel de presente as mais doces mentiras.

Paixões antigas, novas, próximas, distantes, violentas, tranqüilas, ciumentas, ausentes. As ilusões se repetem mil vezes em mil variações diferentes. O imprevisível brincando de se esconder entre clichês e aflição.

Alguns casais não percebem que estão desperdiçando a sorte que saquearam do mundo. A insanidade oposta à aposta do bom−senso. Todas as historias estão à beira do abismo. Anunciando discussão, desentendimento, ruptura, separação. Quatro aprendizados e um conflito. O amor se confunde com a impossibilidade de respirar.

Ficar olhando, enquanto você passa – sem pressa − pela calçada, no outro lado da rua. O vestido longo, florido, desses que ficam justos nos quadris. Deslizando contra o vento. Os olhos ocultos atrás dos óculos de sol. O sorriso de quem está prestes a cometer outro crime. A forma esguia do pescoço, a fileira de pérolas escorrendo na direção dos seios. Fechar os olhos. Deixar a imagem se dissolver. Como se fosse alucinação.

Os apetites escondidos por baixo das roupas. Quero brincar com o teu corpo e mais nada. Liturgia medieval anunciando o efêmero (subversivo e corruptor) escorrer do desejo (sofrimento e umidade) escondido entre as trompas de Eustáquio (alaridos e sevícias) e de Falópio (sabores e delícias). A vida transformada em templo (tempo de consagração e conversão). A felicidade caminha na direção do deslumbramento. Para dentro de você. Como um poeta − que acaricia a sua amada com palavras.

O coração não se aposenta. Deixa de bater.


(Reproduções de pinturas do artista plástico inglês David Hockney)