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segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O GRANDE ANO

Obsessão. Atrás de oito letras se esconde uma multidão de sentimentos devastadores. Ausência de amigos ou familiares, fraquezas de caráter, ambição desmedida. A lista é interminável. Talvez seja esse o preço a ser pago por quem pretende impedir que algo esteja ao alcance de outras pessoas. Na maioria das vezes, o prazer obtido com essa glória parece não ser importante o suficiente para justificar tamanho esforço.

Com um tema raro, o filme O Grande Ano (The Big Year. Dir. David Frankel, 2011), baseado no livro de Mark Obmascik, conta a história de Kenny Bostick (Owen Wilson), Brad Harris (Jack Black) e Stuart Preissler (Steve Martin). Viajando por todo o território estadunidense, muitas vezes em condições precárias, dezenas de homens e mulheres exercem um hobby pouco ortodoxo: observar (e fotografar) pássaros. Aquele que conseguir registrar a maior variedade de aves, durante um ano, é aclamado, por uma revista especializada, como o melhor observador de pássaros.

Metonímia da condição humana, o filme mostra, com leveza e graça – e algum humor −, aquele "algo a mais" que separa a normalidade mental da compulsão obsessiva. Subindo em árvores, se escondendo no meio de arbustos, atravessando lagos e pântanos, florestas e geleiras, esses fanáticos por tordos, pintassilgos, corujas, pelicanos, flamingos, pica-paus e estorninhos sonham em poder contar para os amigos que viram espécies raras. Ou seja, essas pessoas exercem uma atividade inofensiva e próxima do ridículo. Ou do lírico. Difícil precisar, pois esses dois qualificativos muitas vezes se confundem.

Para o último campeão, Kenny Bostick, observar pássaros está aquém de uma atividade complementar. A possibilidade de alguém superar o seu recorde o deixa fora de si. Sem medir esforços para atrapalhar a vida de possíveis concorrentes, em alguns momentos tangencia perigosamente as linhas do comportamento moral.

O empresário Stuart Preissler quer se aposentar. Entre alguns negócios que ainda estão pendentes e a vida que projetou para os seus últimos anos de vida, não precisa se preocupar com problemas econômicos. Embora não possa acompanhar os demais observadores de pássaros em alguns momentos, compensa esse pequeno dissabor com uma família estável (que o ama e o incentiva) e o primeiro neto.

Brad Harris, gordo e nerd, parece condenado ao desconforto. Sua habilidade com computação, um ouvido treinado para distinguir os sons emitidos pelas aves, acrescido da incompetência nas finanças, não lhe garantem sucesso social e profissional. Também recebe a reprovação paterna, que considera observar pássaros uma perda de tempo e de propósito.

This freaking birds!, exclama um dos personagens, a lastimar que a atividade de observar pássaros possa atrair a atenção e o tempo de quem deveria estar exercendo a rapinagem capitalista.

Ao final, os louros da vitória são outorgados para aquele que manifestou vontade de vencer. Em versão prosaica do mito faustiano, Bostiack, enquanto estava ocupado tentando superar os rivais, perde as referências que o humanizavam. Torna-se uma lenda – sem amigos, sem família. O sucesso sempre está acompanhado pela solidão.

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