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sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A NÃO-FICÇÃO DE DAVID FOSTER WALLACE


A comunidade literária contemporânea adora ressuscitar alguns cadáveres putrefatos.

Essa brincadeira (também conhecida como o milagre de transformar imagens sem valor em pilhas de moedinhas valiosissimas) agrada a todos − o morto, os responsáveis pelo espólio, alguns professores de literatura (carregando quilométrico séquito de estudantes), os editores, os tradutores e os insetos necromantes (ou será necrófilos?).

O último zumbi da literatura contemporânea, David Foster Wallace, está fazendo enorme sucesso nos guetos modernosos. Embora os 23 contos de Breves Entrevistas com Homens Hediondos, volume publicado no Brasil em 2005, estejam encalhados nas estantes dos piores sebos, vá lá, mofando nos saldos dos melhores sebos, jornais e revistas (off and on−line) não economizam espaço para glorificar o morto−vivo, que, entre outras gracinhas, já foi apelidado de "Kurt Cobain das letras". Seria engraçado não fosse muito ridículo.

A recente publicação comercial de alguns textos de não−ficção de Wallace, em um volume de título engraçado, Ficando Longe do Fato de Já Estar Meio que Longe de Tudo, reacendeu o brilho dos olhos eternamente ávidos do deus mercado – confortavelmente instalado na proa da caravela, o marujo gritou: "Dinheiro à vista!"

Graforréico, Wallace não se constrangia em encenar a brincadeira infinita − ápice inventivo de um escritor que teve dificuldades para entender as dificuldades da vida. Em Uma Coisa Supostamente Divertida que Eu Nunca Mais Vou Fazer, crônica de "apenas" 125 páginas, descreve uma viagem de sete dias em um transatlântico. Misturando fofocas de terceira classe com detalhes técnicos que não possuem o mínimo interesse na produção de um texto objetivo, Wallace espicha a narrativa até os limites da exaustão. Essa obsessão enciclopédica pela descrição dos detalhes (também evidenciada no texto homônimo ao título do volume) irrita e, ao mesmo tempo, provoca. Que outras barbaridades ele pretende relatar?, pergunta o leitor, sem saber se David Foster Wallace quer construir a imagem total do objeto de sua escritura ou destruir a paciência de quem se aventura nesse tipo de leitura.

Não bastasse a falta de objetividade, o cara adora salpicar os textos com notas de rodapé – recurso que fragmenta a leitura, amplia a confusão e exige atenção redobrada. A vantagem dessa insanidade é simples: evita atrapalhar o fluxo narrativo e abre espaço paralelo para comentários pessoais, observações irônicas, diversões inconsequentes. Nem sempre isso acontece. Um exemplo clássico do uso desse artifício está nas cinco páginas, repito, cinco páginas absolutamente dispensáveis que constituem a nota de rodapé número 32, em Uma Coisa Supostamente Divertida que Eu Nunca Mais Vou Fazer. O que deveria ser um recurso literário criativo não passa de non-sense.

Dizem os incensadores que David Foster Wallace era um sujeito divertido, desses que conseguem manobrar com competência a ironia, a metalinguagem e a paródia. Talvez fosse. Há controvérsias. No trivial variado é apenas chato. A exceção é a crítica de costumes, onde consegue delinear com precisão o mau gosto da classe média e o pedantismo dos ricos. Mesmo assim, como os seus textos são muito longos, o tédio logo se faz presente. Em compensação, em artigos menores, como Alguns Comentários Sobre a Graça de Kafka dos Quais Provavelmente Não se Omitiu o Bastante ou em Federer Como Experiência Religiosa consegue se aproximar da genialidade.

David Foster Wallace, que sofria de grave depressão, suicidou-se em 12 de setembro de 2008. Tinha 46 anos. Em vida publicou dois romances (The Broom of the System, em 1987, e Infinite Jest, em 1996), três coletâneas de contos (Girl with Curious Hair, em 1989, Brief Interviews with Hideous Men, em 1999, e Oblivion: Stories, em 2004), além de diversos livros de não-ficção. Postumamente, em 2011, foi publicado o romance inacabado The Pale King.

Jonathan Franzen nunca economizou elogios a David Foster Wallace. Em Mais Distante, ensaio que consta do livro Como Ficar Sozinho, relata uma história aventureira: despejar as cinzas do amigo morto na ilha de Masafuera, situada em um arquipélago na costa central do Chile.

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