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segunda-feira, 25 de março de 2013

A MORTE NÃO POSSUI ELEGÂNCIA


O amor supera todos os obstáculos – dizem os românticos, esquecendo que existem limitações intransponíveis. A morte é uma delas.

Amor (Amour. Dir. Michael Haneke, 2012) expõe de forma cruel a lenta degradação do corpo e da mente. A professora de piano Anne Laurent (Emmanuelle Riva) sofre um derrame. Fica com o corpo paralisado no lado direito. Ao marido, George Laurent (Jean-Louis Trintignant), faz um pedido: nunca mais voltar ao hospital. Sem quantificar o custo emocional, ele concorda.

Em uma época que não suporta o sofrimento (eliminando-o artificialmente através de medicamentos, terapias e outras fraudes), Amor é um filme triste. Mais do que isso, é depressivo. Daqueles que, logo depois da última cena, dá vontade de chorar. Ou chutar lata de lixo. Ou qualquer coisa que esteja na nossa frente. As circunstâncias caóticas que regem a espera pela morte assustam.

Georges se agarra aos últimos fiapos de vida da esposa – porque isso foi tudo o que lhe restou. Somente subverte essa postura quando resolve concluir a aflição. Mas, até que isso aconteça, há dezenas de pequenos incidentes, situações desagradáveis, horrores sem fim. Apenas o otimismo do marido justifica o esforço de tentar suportar as pequenas trapaças que separam a vida da morte. Isso também tem limites. A debilidade física da esposa vai desgastando Georges. Em determinado momento, ao tentar fazer com que Anne beba um pouco de água, ele perde a paciência e bate no rosto da esposa. O amor que os une não é capaz de suportar e superar a doença.  

A filha do casal, Eva (Isabelle Huppert), que mora com o marido, Geoff, na Inglaterra, parece preocupada com a saúde da mãe. Invade a privacidade dos velhos em dois momentos. Mas, impotente, não colabora muito. Ou talvez, como compete aos filhos que estão distantes, não consegue ajudar. Em questões familiares, as soluções nunca são simples. 

Salvo a cena inicial, todo o filme ocorre dentro de um enorme apartamento – a câmera parada (posicionada teatralmente) registra o movimento dos personagens, invade a intimidade, mostra os elementos pouco dignos que compõem a decadência (a teimosia incompatível com a realidade, as fraldas geriátricas, os delírios da memória).

A música encantatória da cena de abertura do filme vai desaparecendo até que se transforma em silêncio opressivo – metáfora do declínio físico de Anne. A ausência de mobilidade se transforma em estado vegetativo. O inominável está refletido no vazio do apartamento.

Da mesma maneira que a pomba, que entra pela janela aberta, precisa da imensidão do espaço para abraçar a liberdade, a história de Georges e Anne termina de forma abrupta. É tempo de partir. Depois da vertigem, a queda. Não há mais espaço para o amor. Sofrimento não combina com elegância.



Amor é um filme multipremiado: Festival de Cannes, 2012 (melhor filme); Prêmio César, 2013 (Melhor filme, melhor atriz, melhor ator, melhor diretor e melhor roteiro original); Globo de Ouro, 2013 (melhor filme em língua estrangeira); Oscar, 2013 (melhor filme em língua estrangeira).

3 comentários:

  1. Comentário que ouvi de um paciente no hospital Teresa Ramos que acompanhava a esposa na internação clínica: "Depois dos oitenta tudo ficou difícil, tudo. A velhice é uma merda."

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  2. Passei por aqui e li todo o texto.
    Achei muito triste.Como sempre falo: para a doença não existe idade.
    A vida somente é bela quando somos saudáveis,por isso vamos valorizar a cada minuto vividos...o hoje.
    Até breve
    Daura

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