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sexta-feira, 5 de abril de 2013

PAULO LEMINSKI: O SAMURAI DA POESIA




A publicação de Toda Poesia, livro que reúne (até prova em contrário) todos os poemas de Paulo Leminski, reacendeu as holofotes sobre um dos mais impressionantes personagens da história da literatura brasileira.

O espírito ambulante da contracultura (segundo definição de Luiz Carlos Maciel) foi um homem inquieto, menino prodígio, judoca, músico sofrível, barulhento professor de literatura e história em cursinho pré-vestibular, monge zen-budista, eternamente sem dinheiro, indivíduo difícil de ser definido - dividindo a vida entre a poesia e as drogas, a incontornável vontade de agitar os macaquinhos do sótão.

apagar-me

diluir-me

desmanchar-me

até que depois

de mim

de nós

de tudo

não reste mais

que o charme


A suavidade dialética do haicai: fruta agridoce que destrói o convencional ao revelar sabor surpreendente no terceiro verso. A irreverência do prazer, como recomendava o senhor Bananeira, mestre que subverteu certezas, comportamentos, miragens. Perder tempo com quimeras desabonadoras equivale ao desperdício da vida.

para fazer uma teia
a aranha cobra pouco
apenas um mosquito


Entre o alfabeto e a zetética, entre gregos e latinos, dialogando com Petrônio e Beckett, Leminski sempre esteve atento ao arrebatamento amoroso e às mulheres. Mesmo quando se envolveu em romances complicados, fez pouco caso de cenas românticas ou dos oásis de sedução: o pecado não é original: aliciamento: o intimo e o ínfimo alimentando tensão e tesão: excitação: toda a questão se concentrava em saber errar o alvo – como o arqueiro zen – com a máxima precisão (como escreveu o José Miguel Wisnik). 


ARTE DO CHÁ

ainda ontem

convidei um amigo

para ficar em silencio

comigo


ele veio

meio a esmo

praticamente não disse nada

e ficou por isso mesmo


Oscilações do existir.  As coisas que sentimos e não compartilhamos. As artimanhas da ideologia. O instante em que a lâmina da espada corta o ar, colocando em xeque a transitoriedade da vida ou estabelecendo o horizonte poético prometido para muitos e encontrado em poucos. A honra do samurai, a suave continuação do caminho sem fim.

en la lucha de clases

todas las armas son buenas

piedras

noches

poemas


Catatau. Provocações joyceanas, velozes insights. A poesia concreta esticada no varal da prosa, secando palavras-valises, valises cheias de palavras, basta retirá-las do esquecimento e pendurá-las ao sol, ao vento, fluem o saber e o sabor com a mesma intensidade de uma folha que cai da árvore, o chão se aproximando lentamente. Revelação. Revolução. A insanidade da poesia e a implosão da prosa. Explosão de sons e fonemas. Música urbana, delírio. Laser e satori.   

o pauloleminski

é um cachorro louco

que deve ser morto

a pau a pedra

a fogo a pique

senão é bem capaz

o filhodaputa

de fazer chover

em nosso piquenique


Agora que São Elas. Mistura fina de paródias, citações, ironias, sarcasmos. A norma culta miscigenada com o coloquial. Palavrão e amenidades. Túnel que une a Casa Grande com a Senzala.  Tramas. Ramas. Ramos. Folhagem. Floresta. Labirintos. Minotauros. Significados ocultos. Significantes explícitos. Insignificantes e irrelevantes - como qualquer coisa que não sejam versos. (...) cair de pé e sair correndo como um alucinado desses lugares perigosos que o acaso coloca no nosso caminho. Nada pode ser sem ser nada. Ou tudo. Ex-tudo. Estudo.

dia

daí-me

a sabedoria de caetano

nunca ler jornais

a loucura de glauber

ter sempre uma cabeça cortada a mais

a fúria de décio

nunca fazer versinhos normais


As Parcas cortaram o cordão que unia a vida de Paulo Leminski Filho com o mundo. A vida iniciada em 24 de agosto de 1944 encerrou-se em 07 de junho de 1989. Cirrose hepática. Parada cardíaca. Encarar o fim como sinônimo do início.




3 comentários:

  1. raul, o rodrigo garcia lopes, nosso amigo, foi quem buscou o lema em casa e o levou pro hospital. na ida, o lema soltou uma dele. o rod avisou a galera, que foi se amontoando num boteco próximo, todos já sabendo da gravidade do caso. o rod disse que o lema tinha dito um lance no trajeto mas que só ia contar em jornal ou em livro. a galera se enfureceu e parece que o rod levou um pialo na orelha. daí soltou. rod disse: guenta, lema. cê vai sair dessa. e o lema: nada, rod. agora vou dar um abraço do gaiteiro. até no fim esse cachorro louco filho da puta tinha humor. putaquipariu! parabéns pelo texto. amprex do vini

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  2. Grande poeta. Tive a sorte de conhecer sua poesia através das suas aulas, Prof.: Raul. Um abraço amigo.

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