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quinta-feira, 26 de setembro de 2013

BREVE SURTO DE NOSTALGIA NO PLANALTO CATARINENSE

A cidade está cansada de carregar o passado. Bastou um piscar de olhos, menos de trinta anos, para que a herança histórica fosse jogada na lata do lixo. A lembrança da aventura protagonizada por um bandeirante paulista, que a inventou na imensidão do Planalto Catarinense, às margens do rio Carahá, não existe mais. Desapareceu – como se fosse algo inútil, como se fosse possível trocá-la por uma mercadoria mais charmosa, menos verdadeira. A vila cresceu, se expandiu. A população triplicou. Todos os indivíduos se tornaram irreconhecíveis. O conceito de vizinhança perdeu o sentido. E a direção. Como se tivesse caminhando na contramão. Nem mesmo o gato preguiçoso – que dormia na varanda da casa na periferia urbana – existe mais. A modernidade modificou a província.

Seguindo o exemplo das grandes metrópoles, o mundo urbano regional se tornou exagerado, desproporcional, repleto de sensações e tentações, dezenas de edifícios com mais de vinte andares, o aprisionamento se expandindo em escala vertiginosa. Caixas abafadas, repletas de perigos, e que não servem de abrigo. Viver nos confins do sertão, para o bem ou para o mal, se transformou no risco de tropeçar em algum dos inumeráveis obstáculos que a civilização tecnológica colocou no meio do caminho.

Expressões como "homi du céu", "djáoji", "trezantonte" e "bombiá" desapareceram.  Não é mais possível ouvir as palavras que o lageano acentua tonicamente na última sílaba. O coloquial foi trocado pelo gerundismo empresarial. 

A pureza da água desapareceu. O ar está poluído. Os automóveis estão engolindo as ruas. Esquecemos os pequenos prazeres da vida. Por exemplo, andar descalço na grama. Ou visitar os familiares. Ou namorar na praça. Ou fazer piquenique no campo. Ou comer pastel no final da tarde. Os costumes mudaram, assim como os sabores. As dificuldades multiplicaram – de forma assustadora. O silêncio se tornou incômodo.

Em outra época, parte do prazer de viver no interior de Santa Catarina estava em poder olhar para o horizonte, para esse espaço que separa a imensidão do chão, um azul que parece pintado à mão, uma brincadeira da natureza, o sol multiplicando as cores, as flores e as nuvens (que – com um pouco de imaginação – lembram diversas formas, quase um convite para brincar de adivinhação).

Unindo a nostalgia, a saudade, os amores esfarelados, os parentes mortos, os amigos desaparecidos, as histórias que vivemos (ou que imaginamos ter vivido) e que (como se fossem corroídas pelo tempo e pela falta de afeto) se transformaram em “causo”, em folclore, em ficção, sobrou a ilusão de que uma parte – uma pequena parte – dessa história poderia ter sido diferente. 

terça-feira, 24 de setembro de 2013

TRINTA VERSÕES BEM-HUMORADAS DO BEIJO

Beijo não mata a fome, mas abre o apetite. (Frase de para-choque de caminhão)

– O beijo é a menor distância entre dois apaixonados. (Amy Banglin)

O beijo nasceu quando o primeiro réptil macho lambeu a primeira réptil fêmea, significando com isso, de maneira sutil e elogiosa, que ela era tão suculenta quanto o pequeno inseto que ele jantara na véspera. (Scott Fitzgerald)

– O beijo de um homem é a sua assinatura. (Mae West)

As mulheres ainda se lembram do primeiro beijo mesmo quando os homens já se esqueceram do último. (Remy de Gourmont)

– Um beijo é um segredo que se diz na boca e não no ouvido. (Jean Rostard)

Eu não a estava beijando! Estava apenas respirando em sua boca! (Groucho Marx – ao ser flagrado por sua esposa beijando uma garota)

– O homem rouba o primeiro beijo, implora pelo segundo, exige o terceiro, recebe o quarto, aceita o quinto e suporta os restantes. (Helen Rowland)

O homem perde o seu senso de direção depois de quatro drinques; a mulher, depois de quatro beijos. (H. L. Mencken)

– Beijei a primeira mulher e fumei o primeiro cigarro no mesmo dia. Desde então, nunca mais tive tempo para fumar. (Arturo Toscanini)

Um beijo pode ser uma vírgula, um ponto de interrogação ou um ponto de exclamação. E é isso o que uma garota precisa aprender de gramática. (Mistinguett)

– A melhor definição de amor não vale um beijo. (Machado de Assis)

Quem aceitou um beijo e não aceita tudo, merece perder aquilo que recebeu. (Ovídio)

– A única linguagem verdadeira no mundo é o beijo. (Alfred de Musset)

Um beijo legítimo nunca vale tanto como um beijo furtado. (Guy de Maupassant)

– Sou a favor do costume de se beijar as mãos de uma mulher quando somos apresentados. Afinal, é preciso começar por algum lugar. (Sacha Guitry)

Hollywood é um lugar onde te pagam mil dólares por um beijo e cinqüenta centavos por sua alma. (Marilyn Monroe)

– Não fale, amor. Cada palavra, um beijo a menos. (Dalton Trevisan)

Amo-te tanto. E nunca te beijei... E nesse beijo, amor, que eu não te dei, guardo os versos mais lindos que te fiz. (Florbela Espanca)

– As almas se encontram nos lábios dos enamorados. (Percy Bysshe Shelley)

O amor é grande, mas cabe no breve espaço de beijar. (Carlos Drummond de Andrade)

– O beijo, amigo, é a véspera do escarro / A mão que afaga é a mesma que apedreja. (Augusto dos Anjos)

Uma garota sábia beija, mas não ama; escuta, mas não acredita; e parte antes de ser abandonada. (Marilyn Monroe)

– O beijo fulmina-nos como o relâmpago, o amor passa como um temporal, depois a vida, novamente, acalma-se como o céu, e tudo volta a ser como antes. Quem se lembra de uma nuvem? (Guy de Maupassant)

Quem gosta de beijo de mulher feia é mão de padre. (Otto Lara Resende)

– O salto alto foi inventado por uma mulher que só tinha sido beijada na testa. (Christopher Morley)

– Uma garota precisa adquirir um bocado de experiência para beijar como uma principiante. (Lana Turner)

– Um beijo não dura tanto quanto um bom almoço. (George Meredith)

Beijei muitas mãos com vontade de cuspi-las. (Antonio Maria)

– Sempre estou interessada em alguém que beije bem. (Cher)

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A VIDA PRIVADA DAS ÁRVORES

Administrador competente das configurações ficcionais, Alejandro Zambra, em A Vida Privada das Árvores, conseguiu transformar uma história banal de espera amorosa em literatura de primeira qualidade. Esse pequeno milagre ocorre como consequência do uso mínimo dos elementos narrativos e da linguagem de contenção.

A história desencontrada de Julián e Verónica não está imersa no drama. É uma história de amor, nada muito especial: duas pessoas constroem, com vontade e inocência, um mundo paralelo que, naturalmente, bem rápido desmorona. Com humor sutil e carinhoso, o narrador vai desenrolando o carretel narrativo. Julián espera pela volta da esposa – que está (ou deveria estar) na aula de desenho. Enquanto isso não ocorre, tenta fazer adormecer a enteada, Adriana (filha de Verónica e Fernando). Antes de dormir, a menina gosta de ouvir algumas fábulas que ele inventa sobre baobás e álamos - árvores que, lado a lado, conversam sobre fotossíntese, esquilos, ou sobre as inúmeras vantagens de ser árvore e não pessoas ou animais. 

Baobá
Julian aproveita esse momento para paralisar o tempo, para eliminar a angústia que envolve a ausência. Para instalar a imobilidade. Ou melhor, para  elaborar a metáfora especular da literatura: o romance que está escrevendo nos finais de semana, sobre um homem que tenta fazer sua enteada dormir, enquanto espera pela mãe da menina, preenche um vazio somente possível na vida de um homem que está sozinho, esperando por sua esposa.

Ao contrário de Vladimir e Estragon, personagens beckettianos, que aguardam por alguém que nunca vai chegar, Julián não carrega o pessimismo, não alimenta o niilismo. Em um cenário banal, comum, sem grandes surpresas, as falas de Julián propagam a esperança – embora não elimine os traços de melancolia: (...) era sem compromisso, como deve ser: ama-se para deixar-se de amar e se deixa de amar para começar a amar os outros, ou para ficar sozinho, por um tempo ou para sempre.

Álamo
Em dado momento, a descrição narrativa desloca o foco e se concentra em Daniela. Sobre as possibilidades quando ela ultrapassar a vida adolescente e já tiver namorados e uma vida adulta e, num desses dias que somente são possíveis na vida daqueles que amamos, abrir o romance que Julián escreveu.  E o ler. E tentar encontrar nas frases que Julián escreveu a história daquela noite em que Julián lhe contou várias histórias sobre boabás e álamos, enquanto esperava pela volta de Verónica.

Este é o dia seguinte, pensou, e fez o café, e lavou o rosto com especial desvelo, esfregando-se várias vezes, como se quisesse machucar-se ou apagar-se. Depois levou vários minutos construindo a cenografia de uma noite normal: desarrumou os cobertores e os lençóis como se ali tivessem dormido duas pessoas, voltou à cozinha e serviu duas xícaras de café e bebeu uma e a metade da outra. Mastigou uma torrada e preparou um copo de leite com chocolate para a menina.

Mutações de Alejandro Zambra

TRECHO ESCOLHIDO
Pouco antes de chegarem à porta, a professora de inglês os alcança. Preciso falar com o senhor, é urgente, diz, com falsa cordialidade, como se fosse natural parar para conversar no meio da rua com uma chuva terrível perseguindo-os. Sem esperar a aprovação de Julián, a professora começa a relatar o comportamento distraído da menina nas aulas de inglês. Se não melhorar seu rendimento corre o risco de não se formar, sentencia, energicamente. Julián olha para ela com um misto de ódio e pudor.

É uma convicção familiar, responde Julián, depois de um brusco minuto de silêncio. Não gostamos de inglês. Somos anti-imperialistas, somos pessoas de esquerda, diz, e um sorriso cúmplice se esboça no rosto de Daniela. Mas a professora insiste: quero conversar com o senhor e com sua esposa sem demora, e depois fala em compromisso, em rigor, em constância. Na próxima quarta, às quatro, aguardo vocês na sala dos professores. Julián assente mecanicamente, e repete em voz alta, como se procurasse o lugar da memória onde se guardam as horas, as datas, os lugares: na próxima quarta, às quartas, na sala dos professores. A mulher finalmente se perde entre uma multidão de crianças, pais e guarda-chuvas.

Julián segura a mão de Daniela, com decisão, com amor. Vamos ter que estudar inglês, diz. Sim, Julián, mas agora preciso ir para a aula, responde Daniela. E ele olha para ela e lhe dá um beijo e a deixa ir. 

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

TODO AQUELE JAZZ

Alcoolismo, drogas, loucura – há quem diga que esse triunvirato de “virtudes”, acompanhado de inúmeros problemas com a polícia, define o período áureo da história do jazz. A tese provavelmente não está longe da verdade, embora, claro, isso jamais seja toda a “verdade”. De qualquer forma, cabe ter em mente que Se o jazz apresenta um vínculo vital com “a luta universal do homem moderno”, como poderiam os homens que o criam não portar as cicatrizes dessa luta?

Narrativa refinada, Todo Aquele Jazz, do inglês Geoff Dyer, atravessa as áreas nebulosas que separam a historiografia e o ensaio literário, recria histórias de vários protagonistas do mundo jazzístico e, de uma maneira especial, trava o combate heterodoxo entre acordes e serenidade. Como se não bastasse, o livro rompe com alguns mitos musicais. Talvez o mais importante seja a regra não escrita que separa a obra artística da história pessoal. Navegando em águas perigosas, Geoff Dyer discorda desse dogma e procura – mesmo que seja ficcionalmente – iluminar as áreas escuras da essência jazzística: muito daquilo que constitui a grandeza do jazz se situa além do limite da técnica; sobretudo quando, como todos os músicos concordam, eles têm de pôr todo o seu ser no que estão tocando, quando a música depende da vivência deles, do que eles têm a oferecer como pessoas.  

Charles Mingus
Jazz é o Éden dos anjos decaídos. Milhares de doidões, incontáveis fãs da esquadrilha da fumaça, escravos da heroína, centenas de picadas entre os dedos do pé – quando as veias do braço não são mais suficientes para acalmar a loucura que vai tomando conta do corpo –, carência que somente pode ser suspensa com o abrir das portas para o Paraíso Artificial, momento de alívio para esse sofrimento sem fim.

Muitas histórias, imagens idiossincráticas, tempestades incontroláveis, paixão inesgotável: Lester Young não conseguia resistir às drogas, a qualquer droga; a generosidade de Thelonious Monk que, para não denunciar Bud Powell, cumpriu um ano de prisão; Ben Webster, uma garrafa após a outra, mergulhava nas profundezas do inferno; Art Pepper ressentido por ser branco; a fúria titânica de Charles Mingus e os estragos absurdos que ele causou; a fragilidade psíquica de Bud Powell, semelhante a um prato prestes a cair da mesa e se fragmentar em mil pedaços; o irresistível charme de Chet Baker com as mulheres.

Chet Baker e Art Pepper
O jazz pode ser ouvido em bar, ambiente esfumaçado, o som das vozes abafando a música que está sendo tocada no palco. Raramente há silêncio. Perto do bar sempre há algum descornado chorando amores perdidos, incompreensões do mundo, sede infinita. O encantamento – encantado momento – está reservado para ocasiões especiais. Ilusões compostas pela força dos metais: clarinete, trompete, trombone, tuba, trompa, saxofone (alto, soprano, tenor). Miragens produzidas pela suavidade das cordas: baixo, contrabaixo, piano. Alegria em ritmo da percussão: bateria, xilofone.

Jazz pode ser apreciado em casa. Experiência egoísta. As janelas fechadas (para que o som não fuja para a rua). O volume na medida, nem muito baixo, nem muito alto – a boa musica não incomoda os vizinhos. Uma taça de vinho ao alcance da mão (ou se for da preferência do ouvinte, uísque). A emoção infiltrando-se na pele, arrepiando, enlevando os sentidos e os sentimentos.

Duke Ellington
Duke Ellington e Harry Carney. De forma carinhosa, Geoff Dyer fragmentou essa história, separando as outras histórias, separando os outros personagens. Os pneus do carro engolindo a estrada. Milhares de quilômetros. Viagem sem conclusão. Cada cidade acrescentando um ponto no mapa que eles constroem diariamente. Procura pelo fim do mundo. Ou o começo de tudo. Contudo, Duke atravessa a imensidão estadunidense anotando as ideias que iam surgindo a todo instante, confiante em que mais tarde haveria de achar uma utilidade musical para aquilo.

Todo Aquele Jazz é um prazeroso passeio musical – mimetizando os sons, estabelecendo harmonias e arranjos inovadores. Sem pretensões historiográficas ou hagiográficas, o livro recupera ficcionalmente a vida de alguns dos anti-heróis que definiram o que, modernamente, é chamado jazz. Comprovação eficiente de que a existência se estabelece na construção de outros acordes.

Red Allen, Ben Webster e Pee Wee Russell
No posfácio, Tradição, influencia e inovação, Geoff Dyer abandona a ficção e se concentra na teoria crítica. Contrastando o passado e o presente, traça uma linha de desânimo. Sem muita esperança no futuro do jazz, reverencia os anos 50 e 60: Comparado com as outras formas de música existentes, o jazz é demasiado sofisticado para tornar-se porta-voz da vivencia do gueto. O hip-hop faz isso melhor. Além disso, mordaz, faz um comentário que coloca em xeque os hábitos culturais contemporâneos: [atualmente] os músicos não precisam competir com um excesso de conversa nas mesas para se fazerem ouvir, mas é frequente que boa parte da plateia veja o jazz como fundo envolvente para um jantar de luxo.   

Charles Mingus e Eric Dolphy

TRECHO ESCOLHIDO

Pouco a pouco ele começou a assumir o peso e as dimensões de seu instrumento. Ficou tão corpulento que o contrabaixo era um objeto que ele simplesmente pendurava no ombro como uma bolsa de material esportivo, quase sem notar o peso. Quanto maior ele ficava, menor se tornava o contrabaixo. Era capaz de obrigá-lo a fazer o que ele queria. Algumas pessoas tocavam contrabaixo como escultores, cinzelando notas num enorme bloco de pedra. Mingus o tocava como se estivesse em luta com ele, prendendo seu braço, agarrando-o pelo pescoço, beliscando as cordas como se estripasse um inimigo. Seus dedos tinham a força de um alicate. Havia quem alegasse tê-lo visto segurar um tijolo entre o polegar e o indicador e deixar duas leves depressões onde havia apertado. Logo em seguida era capaz de pinçar as cordas com a doçura de uma abelha pousando nas pétalas róseas de uma flor africana que medrasse num lugar onde ninguém nunca tivesse pisado. Se usava o arco, o som do contrabaixo lembrava o murmúrio de uma congregação de mil fiéis numa igreja. 

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O HUMOR (MUITO PARTICULAR) DE OTTO LARA RESENDE

Positivamente, não posso ser apresentado a Satanás: como André Gide, sofro a tentação de entender as razões do adversário.

Abraço e punhalada a gente só dá em quem está perto.

Patrão de esquerda só é bom no dia do pagamento.

Leio muito à noite. Só não sou inteiramente uma besta porque sofro de insônia.

Sou autor de muitos originais e de nenhuma originalidade.

Sou jornalista, especialista em idéias gerais. Sei alguns minutos de muitos assuntos. E não sei nada.

Texto de jornal é estação de trem depois que o trem passou. Deixou de ter interesse.

Escrevemos, escrevemos, escrevemos. Clamamos no deserto. O clube do poder tem as portas lacradas e calafetadas.

Eu escrevo todos os dias, por compulsão. Mas agora, aos 70 anos, uma das perguntas que mais me intrigam é o que eu vou ser quando crescer.

A morte é noturna. À noite, todos os doentes agonizam.

A morte é, de tudo na vida, a única coisa absolutamente insubornável.

Sou leitor atento da página fúnebre. Tem mais gente conhecida do que a coluna social.

Não sou alegre. Sou triste e sofro muito. Dentro de mim há um porão cheio de ratos, baratas, aranhas, morcegos, escuro, melancolia, solidão.

O único erro humano que merece a pena de morte é o de revisão.

Deus é humorista.

Sou um sobrevivente sob os escombros de valores mortos.

Devemos a Graham Bell o fato de estarmos em qualquer lugar do mundo e alguém poder nos chatear pelo telefone.

Intelectual na política é quase sempre errado. É sempre errado. A práxis não deixa espaço para pensar; pensar é muito sutil, enrascado, complexo, multiplica as alternativas.

Política é a arte de enfiar a mão na merda. Os delicados pedem desculpas, têm dor de cabeça e se retiram.

A ação política é cruel, baseia-se numa competição animal, é preciso derrotar, esmagar, matar, aniquilar o inimigo.

Quem me garante que Jesus Cristo não estaria hoje na estatística da mortalidade infantil?

O homem é um animal gratuito.

Para mim, domingo sem missa não é domingo.

A tocaia é a grande contribuição de Minas à cultura universal.

Há um lado pobre-diabo em mim. Os pobre-diabos logo farejam e se irmanizam, me perseguem, não me largam.

Não quero tripudiar sobre ninguém. Junto a isto um insanável sentimento de simpatia, que me domina, por todos os decaídos.

Devo ter sido o único mineiro que deixou de ser diretor de banco.

Há em mim um velho que não sou eu.

Sou exatamente o menino que aos nove anos foi declamar um verso de Antero de Quental e se perdeu.

Minas está onde sempre esteve.

Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Helio Pellegrino e Otto Lara Resende

P.S: Uma das frases mais famosas de Otto Lara Resende, Mineiro só é solidário no câncer, não é do Otto, mas foi a ele atribuída por Nelson Rodrigues, na peça Bonitinha, mas Ordinária ou Otto Lara Resende. 

terça-feira, 10 de setembro de 2013

PÉRICLES PRADE ALÉM DO REAL

A Editora da Universidade Federal de Santa Catarina (EDUFSC) está reeditando em volume único dois livros fundamentais da literatura catarinense, Os Milagres do Cão Jerônimo e Alçapão para Gigantes. Gêmeos em corpo e espírito, os vinte e sete contos (quinze do primeiro, doze do segundo) são ricos em imagens abruptas, extraídas a fórceps das entranhas do imaginário. 

Os Milagres do Cão Jerônimo foi publicado em 1971 e Alçapão para Gigantes em 1980. Outros tempos, outras idéias, a mesma falta de entendimento para com o mundo que nos cerca. Entre o passado e o presente, as noções de verossimilhança do leitor são colocadas em xeque. Poucas coisas fazem sentido ou possuem direção (mesmo quando trafegam na contramão). Engarrafamento, embaralhamento, confusão, o desencontro proposto pelo encanto e o horror. Ou, no entendimento de Mestre Lauro Junkes, em texto publicado em 1987, exercício de prosa que penetra, sem dúvida, além do real (daí o surreal – sub-real, abaixo e além do real).

Irreal flerte com a beleza, outro tipo de beleza, o insólito se tornando plausível através da palavra. A linguagem seduz, goza e glosa, lavra e lava, vulcão em erupção, emoção que não se contém, não contém, não conta os descontos que o capitalismo impõe a cada dia para cortar a folia, para ampliar a melancolia.

O volume único, mas dividido, relato da matéria literária em decomposição, trocando de posição e entendimento, proporciona variações da mesma história. Ou de histórias diferentes. Que, entre isso e aquilo e aquele outro, poucas vezes é possível refletir a multidão de enganos que disfarçam, em uma das narrativas, o diálogo, o afago e o afeto. Ubaldo, Hamms, Pisani, Rodrigo: nomes expostos na imensidão da página como se fossem personagens. Ou miragens.

Abelhas, cavalos alados, liturgias profanas, indizível felicidade, a morte espiando no lado oposto do espelho, a escuridão, o tapete na casa da prostituta, esfaquear o literário até atingir o prazer ou a liberdade – o que vier primeiro. Ou por último, para rir melhor. Com o coisa-ruim nos olhos. Espetáculos circenses, saltos de trapézio, palhaçadas, animais perigosos. Situações. Revelações. Revoluções. Subversão. Abrir as portas para o desconhecido, para as chamas da destruição. Poucos respeitam os sinais que emanam do Cão Jerônimo.

Incêndios. A repetição do mito de Sísifo na história do alçapão. Exaustão: técnica literária, armadilha, segredo que evita o erro, o acerto, o alvo, a seta e o arco. Marco na beira da estrada a nos indicar o vulnerável destino de um rato. Barato. Caro como a tristeza nos olhos do diabo. Claro como o couro de manchas selvagens do tigre. Ou a descoberta que o gigante se esconde sob o pseudônimo de Mirsânia, a estrategista. Ir adiante, nessa leitura viajante, sem destino, exuberante desatino, Alçapão para Gigantes.

Entre a prosa e a poesia, alegria. Ou, em outra tradução, talvez mais perfeita: Os Milagres do Cão Jerônimo e Alçapão para Gigantes.

Triunvirato poético: Ronald Augusto, Péricles Prade e Dennis Radünz
(Feira do Livro de Porto Alegre, 2009)



quarta-feira, 4 de setembro de 2013

TRINTA E DUAS FRASES TOLAS PARA LER ANTES DO VERÃO

– Experiência é simplesmente o nome que os homens dão aos seus erros. (Oscar Wilde)

A história é um pesadelo do qual estamos tentando acordar. (James Joyce)

O pior governo é o mais moral. Um Governo composto de cínicos é frequentemente mais tolerante e humano. Mas, quando os fanáticos tomam o poder, não há limite para a opressão. (H. L. Mencken)

Pagar pensão à ex-mulher é como servir feno fresco a um cavalo morto. (Groucho Marx)

– Qualquer paspalhão que desafia um ventilador pensa que é Dom Quixote. (Stanislaw J. Lec)

– Só os profetas enxergam o óbvio. (Nelson Rodrigues)

– Quando um idiota faz alguma coisa que se envergonha, diz que está apenas cumprindo seu dever. (George Bernard Shaw)

Só há uma cura para os cabelos grisalhos e foi inventada pelos franceses. Chama-se guilhotina. (P. G. Wodehouse)

– Numa cabeça oca entra muito saber. (Karl Kraus)

Um jornal é um instrumento incapaz de discernir entre uma queda de bicicleta e o colapso da civilização. (George Bernard Shaw)

A mulher ideal é sempre a dos outros. (Stanislaw Ponte Preta)

– Radical é um sujeito que, ao primeiro sinal de um resfriado, toma a extrema-unção. (Millôr Fernandes)

Nós, os liberais e progressistas, sabemos que os pobres são iguais a nós em tudo, exceto nessa história de serem iguais. (Lionel Trilling)

– A virtude não passa de tentação insuficiente. (George Bernard Shaw)

– A vida pode ser um cabaré, mas não no meu bairro. (Fran Lebowitz)

– É difícil acreditar que um homem esteja dizendo a verdade, quando você sabe que mentiria se estivesse no lugar dele. (H. L. Mencken)

– O sujeito que não se considera um gênio não deve se dedicar a fazer arte e literatura. (Nelson Rodrigues)

– Levei vinte anos para fazer sucesso da noite para o dia. (Eddie Cantor)

– Não sei de onde saiu essa história de que sou tarado, só porque transei com minha sogra. E daí? Era a mãe dela – não a minha. (Lenny Bruce)

– Hipocondria é a única doença que eu não tenho. (Oscar Levant)

– O neurótico constrói um castelo no ar. O psicótico mora nele. O psiquiatra cobra o aluguel. (Jerome Lawrence)

– Os políticos são os mesmos em toda parte. Prometem construir uma ponte até onde não há rio. (Nikita Krushev)

– Quando se rouba de um autor, chama-se plágio; quando se rouba de muitos, chama-se pesquisa. (Wilson Mizner)

– Muitos homens já se apaixonaram por uma mulher numa sala sob cuja iluminação eles não se atreveriam a escolher um terno. (Maurice Chevalier)

– Certo dia, atrasei-me ao voltar da escola e meus pais pensaram que eu havia sido sequestrado. E aí entraram imediatamente em ação: alugaram meu quarto. (Woody Allen)

– Toda pessoa normal se sente tentada, de vez em quando, a cuspir nas mãos, içar a bandeira negra e sair por aí cortando gargantas. (H. L. Mencken)

– Obscena não é a foto de uma mulher nua com seus pelos púbicos à mostra, mas a de um general fardado exibindo suas medalhas ganhas numa guerra agressora. (Herbert Marcuse)

– Reuniões são indispensáveis quando não sequer decidir nada. (John Kenneth Galbraith)

– Sou livre de qualquer preconceito. Odeio todo mundo, indistintamente. (W. C. Mencken)

– A única maneira de um homem se comportar com uma mulher é fazendo amor com ela, se for bonita – ou com outra, se for feia. (Oscar Wilde)

– Não se vive nem mesmo uma única vez. (Karl Kraus)

– Basta você olhar qualquer família para não acreditar mais na paz duradoura. (Millôr Fernandes)

P.S: Reproduções de "naturezas mortas", pintadas por Paul Cézanne (1839-1906)