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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

OS ÚLTIMOS QUARTETOS DE BEETHOVEN E OUTROS CONTOS

Luis Fernando Veríssimo é um mestre do humor classe média. Seus textos se caracterizam pela erudição superficial, uma citação aqui, outra acolá, perfumarias que – aparentemente – se mostram suficientes para enganar os pares e os impares que o incensam – mesmo quando ele comete erros colossais. Em Os Últimos Quartetos de Beethoven e Outros Contos, a frase inicial do texto O Expert comprova o argumento: O Nabokov tem uma história parecida, mas sobre xadrez. Depois de ler o texto de Veríssimo, quem conhece um mínimo de literatura percebe que houve grave confusão. Ou seja, ele confundiu Stefan Zweig com Vladimir Nabokov. O episódio do prisioneiro que furta o livro de xadrez faz parte da Schachnovelle (no Brasil, Xadrez, editado pela Nova Fronteira, 1993, páginas 133-134), escrita pelo mestre austríaco. O russo também escreveu sobre o jogo, com destaque para a genial novela Zashchita Luzhina (no Brasil, A Defesa, publicado pela L&PM, 1986), mas, que conste dos autos, ele não é o autor do texto que lhe foi atribuído! 

Os Últimos Quartetos de Beethoven e Outros Contos é um livro divertido, desses que unem na mesma confusão ingredientes tão importantes como sexo, violência, morte, histórias de amor e de ódio (que muitas vezes são as mesmas, salvo pequenas variações). Leitura ideal para um dia na praia ou no final de tarde, em feriado. Sem compromisso com a seriedade ou com algum conteúdo que não seja a leviandade lúdica, os dez contos que o integram cumprem a sempre bem-vinda tarefa de aliviar as tensões, provocar gargalhadas, recriar situações em que o leitor constata que o absurdo se faz presente na vida com mais frequência do que possa imaginar a vã filosofia.

O conto inicial, O Pôster, coloca em xeque os valores éticos diante de uma situação-limite. O que fazer diante da possibilidade de ser promovido? Que escrúpulos desaparecerão? Como a história humana (versão capitalista) se resume em estabelecer o preço dos objetos de consumo...

A melancolia do conto homônimo ao título do livro estabelece um pouco de seriedade. Mas, o quadro geral (submissão da turma adolescente ao charme de Livia, o inevitável sanatório como desfecho) fornece motivo para sorrisos amarelos, de canto de boca, a inevitável constatação de que a existência é ridícula e tola. Esse mesmo sentimento está presente – com significativa intensidade – em A Mancha, descrição contundente de um retorno ao passado opressor, a possibilidade de um ex-preso político reconstruir uma página de sua história pessoal.  

Literariamente, os melhores textos são Obsessão, Memórias e A Mulher que Caiu do Céu. No primeiro, um relato de violência doméstica, dessas somente possíveis entre marido e esposa, destaque para as duas frases finais, comprovação de que o ressentimento não diminui com o convívio familiar: A gente aguenta tudo, não é delegado, menos elas quererem saber mais do que a gente. Arrogância intelectual, não. No segundo, os instantes finais de homem que está sofrendo um enfarte, em que, além não lembrar onde está o remédio que o pode salvar, mistura fatos tão desconexos como emplasto de Vik Vaporub, o cheiro de loção de seu pai, figurinhas de bala e Gisela (Ah, a Gisela!). O último gira em torno de uma fantasia bastante criativa. O anjo da morte, em lugar de exercer suas funções profissionais, resolve – afetuosamente – poupar o candidato a uma vaga no céu (ou no inferno). Com graça e humor, Veríssimo desconstrói o mito religioso e realiza a sátira com a eficiência que caracteriza parte significativa de seus textos.

Enfim, para que ninguém diga que não se falou de flores, Os Últimos Quartetos de Beethoven e Outros Contos é garantia de entretenimento. Para ler, rir e esquecer em alguma prateleira da estante.          
     




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