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terça-feira, 1 de julho de 2014

A VIDA DO LIVREIRO A. J. FIKRY



E eu gosto de conversar sobre livros com pessoas que gostam de conversar sobre livros. Gosto do papel. Gosto da textura e gosto de sentir um livro no bolso. Gosto do cheiro de livro novo também.


Um lugar não é um lugar sem uma livraria, afirma Lambiase, um dos personagens de A Vida do Livreiro A. J. Fikry, escrito por Gabrielle Zevin, e que também é o responsável pelo pensamento que serve de epígrafe para esta resenha. 

Resenha é palavra precária para resumir o fulgor que acompanha alguns livros. Infelizmente, há momentos que as palavras não se mostram suficientes para expressar reflexões, sentimentos, ideias e esperanças – principalmente a esperança de que existe um mundo onde a literatura ocupa um lugar de destaque. Na prática, para aumentar o desassossego do cadáver de Jorge Luis Borges, o paraíso não é uma biblioteca. Também não é uma livraria.

A. J. Fikry, de origem indiana (ou similar), casado com Nicole (Nic) Evans, estava estudando para se tornar PhD em Literatura Americana. Ela também era aluna e o seu PhD era sobre poetisas do século XX. Um dia, em 1999, os dois decidem abandonar a carreira acadêmica e abrir a Island Books, localizada em Alice Island, em Rhode Island. No meio desse mar, ou melhor, no meio de todas essas ilhas, surge o horror: Nic falece em um acidente automobilístico.

O livreiro e sua solidão – poderia ser um bom título para alguma narrativa depressiva, dessas que fazem a alegria dos leitores que preferem transferir a própria tristeza para os personagens dos livros. Não é o caso. Hallellujah! Livros são sinônimos de alegria, mesmo quando contam histórias que terminam mal.

Três fatos desiguais movimentam a narrativa. Um exemplar raro de Tamerlane and other poems, escrito por Edgar Allan Poe, é roubado. Uma criança de dois anos, Maya, é abandonada dentro da Island Books. A livraria recebe a visita de Amelia (Amy) Loman, representante da Pterodactyl Press. O resto é consequência.

Fikry tem opiniões fortes sobre os livros que vende. Não gosto de pós-modernismo, ambientações pós-apocalípticas, narradores post mortem nem de realismo mágico. Não costumo gostar de artimanhas nos formatos, fontes múltiplas, imagens desnecessárias – basicamente, truques de qualquer tipo. Acho ficção sobre o holocausto ou qualquer outra grande tragédia mundial de mau gosto: apenas não ficção, por favor. Não gosto de mistura de gêneros, tipo romance literário de detetive ou fantasia literária. Literatura é literatura, gênero é gênero, misturar as coisas não costuma dar muito certo. Não gosto de livros infantis, principalmente os com órfãos, e prefiro não entulhar minhas prateleiras com livros juvenis. Não gosto de nada com mais de quatrocentas páginas e menos de cento e cinquenta. Sinto repulsa por romances escritos por ghost-writers para estrelas de reality show, livros de imagens de celebridades, memórias de esportistas, edições pós-filme, livro-brinquedo e, suponho que nem preciso dizer, vampiros. Não costumo estocar lançamentos, chick lit, poesia e traduções. Preferiria não ter que estocar séries, mas minha conta bancária me obriga. Você não precisa me contar da ‘próxima grande série’ até que ela esteja abrigada na lista de best-sellers do New York Times. E, o mais importante, (...), não tolero memórias curtinhas de velhinhos cujas esposinhas morreram de câncer. Não importa quão bem escritas a representante de vendas diga que são. Não importa quantas cópias prometa vender no Dia das Mães.

Apesar desse discurso ranzinza, A. J. Fikry é um personagem simpático. Tanto que adota Maya, evita se envolver com Ismay (irmã de Nicole) e, depois de algumas trapalhadas, consegue conquistar Amelia – dando um rumo mais divertido à sua vida de pai solteiro. Em cada uma dessas etapas emocionais, que vão escorrendo rapidamente pelo tempo, conta com a amizade do escritor Daniel Parish e do policial Lambiase.

Narrado em terceira pessoa, a voz de Finkry aparece em uma das melhores partes do livro. Trechos de seu testamento literário foram editados no início de cada capítulo. É a forma com que ele declara o amor que nutre por Maya e pela literatura.     

A Vida do Livreiro A. J. Fikry é um livro que celebra os livros. Em cada uma de suas páginas há referências sobre escritores, personagens, cenas literárias. Ao leitor cabe desfrutar dessa generosidade metalinguística como se fosse uma conversa entre amigos.

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