Trabalhar em livraria parece ser
sinônimo de paz e tranquilidade. Não o é. Essa é a opinião da livreira Lilian
Dorea, que, no mundo virtual, adota o pseudônimo Hillé Puonto. Algumas das dificuldades
que acompanham o comércio de livros foram relacionadas (e discutidas) no Manual Prático de Bons Modos em Livraria, texto que deveria ser leitura
obrigatória para qualquer um que trabalhe com leitura, ensino literário e editoração.
Além, é claro, daqueles que labutam do outro lado do balcão tentando vender qualquer
tipo de publicação (livros, revistas, jornais).
Títulos errados, escritores fantasmas, clientes
que detestam a leitura, má educação, assédio sexual – nada é obstáculo para a
criatividade dentro das livrarias. Mas, que não se engane quem pensa que o
tráfego é de mão única. Funcionários também escorregam na casca de banana e geram Schadenfreude, aquela deliciosa sensação que sentimos (e cultivamos) quando
alguém se fode.
(Desculpem-me a falta de educação. Livros
e palavões não combinam. Dizem. Não tenho tanta certeza. De qualquer maneira,
seria mais civilizado traduzir a palavra alemã por sentimento mesquinho causado pelo infortúnio
alheio. Seria. Mas, antes de cometer tamanha bobagem, lembrei do Machado de
Assis, que certa vez colocou na boca de um dos seus personagens uma frase
lapidar: Eu sei que Vossa Excelência preferia uma delicada mentira; mas eu não
conheço nada mais delicado que a verdade).
Manual Prático de Bons Modos em
Livraria (que existiu primeiro como postagens de um blog) reúne centenas de
histórias. Algumas são tão engraçadas que parecem ter sido inventadas. Em uma tarde comum de trabalho não falta cliente procurando por um exemplar de Anne Frank, Drogada e Prostituída.
Outros, mais sofisticados, preferem os romances de Sara Mago ou algum livro de
cinema que analise os filmes do Ricóque. Há quem procure por publicações sobre
tatu, embora queiram dizer tatoo. Para surpresa geral, A Casa dos Espíritos, da
médium Isabel Allende (médium?!?!) ou A República, de Plutão, (Plutão?!?!) são campeões de vendas!
Fiquei rindo uns dez minutos quando li o
relato daquela freguesa que, interessadíssima na história da literatura,
perguntou se Essa Jane Austen por acaso não é esposa do Paul Auster? Nunca
tinha pensado nessa possibilidade. Tenho a impressão que eles, superada a
barreira temporal dos dois séculos que os separam e o ciúme da Siri Hustvedt,
formariam um casal bem fofo. Para completar a confusão, poderíamos acrescentar
uma cena do livro Clube de Leitura Jane Austen, da Karen Joy Fowle, quando a
personagem Prudy, apontando a ignorância do marido, diz que ele costuma confundir a
escritora inglesa com Austin, a capital do Texas.
Essas confusões são muito comuns na vida
de leitores. Certa vez, ao procurar um exemplar do clássico ensaio literário Ao Vencedor, as Batatas, do Roberto Schwarz, a bibliotecária (!!!) me
encaminhou para a seção de agricultura. Relatei esse tropeção para todos
aqueles que, na época, estiveram ao meu alcance. Infelizmente, perdi parte dos
créditos quando um amigo – que trabalhou como vendedor em uma livraria de
Florianópolis (SC) – contou-me ter presenciado história similar com o livro Morangos Mofados, de Caio Fernando Abreu.
Terminada a leitura de Manual Prático
de Bons Modos em Livraria, descobrimos que muitos daqueles leitores e personagens que transitam
pelo portal que separa o mundo “real” e o mundo ficcional são capazes de protagonizar momentos hilários. E que é
isso que faz a diferença.
Apesar de algumas dificuldades, os livros e a vida são divertidos.
Pelo jeito, deve ser mesmo divertidíssimo.
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