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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

SR. SHERLOCK HOLMES

Eu tinha um pouco mais de dez anos quando li, pela primeira vez, parte das aventuras de Sherlock Homes. A Biblioteca Pública de Lages (SC) ainda tem alguns daqueles exemplares de capa vermelha que serviram para produzir em mim um pouco da emoção alienante que somente os romances de aventura conseguem gerar. Talvez seja por isso que eu gostei tanto daqueles livros. A possibilidade de “fugir” das complicações familiares e da incompetência dos professores que me torturavam naquele tempo era, na falta de melhor expressão, o equivalente ao ganhar na loteria. Primeiro prêmio.

Essas lembranças se tornaram mais vívidas ao assistir uma produção da BBC Films, Sr. Sherlock Homes (Mr. Holmes. Dir. Bill Condon, 2015), baseado no livro A Slight Trick of Mind, de Mitch Cullin. Diante das imagens do filme, fui tomado por uma vontade incontrolável de voltar a ler as aventuras do célebre detetive, escritas por Sir Arthur Conan Doyle. Como não tenho cópia de nenhum dos livros, nem mesmo de O Cão dos Baskervilles ou Um Estudo em Vermelho, clássicos absolutos, descobri que a distância entre a infância e a maturidade pode ser medida por esse tipo de “acidente”.

O filme, que segue o esquema uma história dentro de outra história, relata a velhice de Sherlock (interpretado magistralmente pelo magistral Ian McKellen). Aos 93 anos, inconformado com a crescente perda da memória, logo depois de voltar de uma viagem ao Japão, Sherlock encontra em Roger Munro (Milo Parker), o filho da governanta (Laura Linney), um incentivo para recuperar os fatos que o fizeram se aposentar, 25 anos antes. As lembranças voltam lentamente. Anotando tudo o que recorda (e que é diferente da versão ficcional, produzida, muitos anos antes, por John Watson), mostra ao menino o que vai escrevendo. A cumplicidade se estabelece. Roger, curioso, quer saber o que aconteceu. Sherlock, esperançoso, quer recuperar o que esqueceu.

Aos poucos, o bloqueio psicológico vai sendo rompido. As informações que Sherlock considerava perdidas estavam escondidas dentro da mente. Ele havia construído um cofre-forte no inconsciente. Em seguida, trancou lá dentro os fatos traumáticos e jogou fora a chave. Atingir essa área nebulosa da mente e trazer à tona o material sublimado causa dor. Durante muitos anos ele evitou esse tormento.

Sr. Sherlock Homes, que se caracteriza por uma estrutura especular (infância x velhice, lembrança x esquecimento, honestidade x vida social), atinge o seu ápice com uma metáfora pouco usual: o contraste entre bees (abelhas) e wasps (vespas). No mundo animal (e, por extensão, no mundo humano), algumas espécies são inimigas naturais de outras. Confundir estas com aquelas pode ser fatal. Por isso, antes de qualquer atividade, cabe saber quais são os limites possíveis.

Sr. Sherlock Holmes, ao contrário daquelas adaptações hollywoodianas horríveis (com Robert Downey Jr. e Jude Law), que desvirtuam o personagem de Arthur Conan Doyle, transformando-o em uma espécie de Rambo londrino, propõe um caminho mais suave. Também não compactua com a série britânica, Sherlock (com Benedict Cumberbatch e Martin Freeman nos papéis principais), que usa e abusa do poder dedutivo do morador de 221B Baker Street. 

Se fosse possível adjetivar corretamente Sr. Sherlock Holmes (e não o é!), então poderia se evocar um conto zen-budista, onde a delicadeza e a inteligência se encontram, e, de mãos dadas, caminham na direção da luz. 

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