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terça-feira, 21 de junho de 2016

MACHADO DE ASSIS AINDA ESTÁ VIVO!

Joaquim Maria Machado de Assis, considerado pela (ou por parte da) crítica como o mais importante escritor brasileiro de todos os tempos, ainda está vivo! A explicação para esse fato sobrenatural (ou ficcional) está na constante republicação de seus romances e contos. Além disso, não passa um só dia sem que alguém acrescente alguma novidade em sua (dele) fortuna crítica. Ninguém está interessado em deixar que os vermes corroam o cadáver do escritor!

Atualmente, quem quiser interpretar corretamente o pensamento machadiano precisa ler as contribuições teóricas de Roberto Schwarz, Lucia Miguel Pereira, Raymundo Faoro, José Guilherme Merchior, Alfredo Bosi, Astrogildo Pereira, Augusto Meyer, etc. E não é somente em terras tupiniquins que a fama de Machado de Assis se projeta como um cometa incandescente. Depois dos estudos pioneiros de Hellen Caldwell e Jean-Michel Massa, que ressaltaram a importância do Bruxo do Cosme Velho como interprete social e político, foram publicados diversos textos elogiosos de V. S. Pritchett, Susan Sontag, Carlos Fuentes, Alberto Manguel, entre outros. Por último, o inglês John Gledson revitalizou diversas teses sobre o escritor, inclusive propondo temas que, por esse ou aquele motivo, ninguém tivera antes a coragem de abordar.

A recente publicação de uma caixa (três volumes em capa dura) com todos os nove romances de Machado, além de onze “contos consagrados”, pode ser considerada como um belo presente de aniversário para aquele que, se estivesse entre nós, completaria cento e setenta e sete anos no dia 26 de junho de 2016. Embora a edição não credite o nome do autor da ideia, há um pequeno texto de M. Cavalcanti Proença no final do terceiro volume. Será isso suficiente? Obviamente, não! Um bom ensaio introdutório às obras do autor concluiria o projeto com aplausos e alegria. Para quem admira as obras de Machado, nada é excessivo ou aborrecido. Ele é um daqueles casos de quanto mais, melhor.

A leitura dos quatro primeiros romances, característicos da fase “romântica”, permite antever o salto de qualidade que foi efetuado na fase “realista”. Ou seja, Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878) constituem a preparação para a beleza estética e literária apresentada em Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e Quincas Borba (1891). Por sua vez, o pleno domínio técnico e artístico atinge a maturidade com Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908). São os três últimos romances que, misturando humor e melancolia, fornecem as derradeiras mãos-de-tinta ao estilo que consagrou Machado de Assis.  Mas, convém esclarecer que isso é apenas uma espécie de síntese da tese que Roberto Schwarz elaborou com profundidade nos sensacionais Ao Vencedor as Batatas (1977) e Um Mestre na Periferia do Capitalismo (1990), livros básicos para quem quer ingressar no universo machadiano.

Machado de Assis foi um escritor múltiplo. Além de excelente romancista (na fase realista), escreveu contos, poesias, crônicas e teatro. Os contos mais importantes foram reunidos pelo John Gledson, numa edição de 1998 (caixa, dois volumes) e, posteriormente, numa edição econômica. Obviamente, há outras coletâneas. Dúzias. Para todos os (des)gostos. Umas melhores, outras nem tanto. Basta escolher. As crônicas foram reunidas em diversos volumes separados, de acordo com os veículos jornalísticos em que foram publicadas. Livros como Balas de Estalo (1998), Histórias de Quinze Dias, Histórias de Trinta Dias pretendem mapear esse território - que é vasto, vastíssimo. Em compensação, o teatro e a poesia, salvo engano, continuam negligenciados. A verdade é que Machado não era exatamente um grande poeta – e nem um bom dramaturgo. Claro, há quem não concorde com essa afirmação. Machado de Assis tem leitores de todos os matizes.

A consagração de um autor se torna definitiva quando um escritor se transforma em personagem ou quando os seus (dele) personagens migram para outros autores. Há vários romances em que Machado de Assis sofre essa transformação. Cito dois, mas há mais. Memorial do Fim, de Haroldo Maranhão, sobre os seus (dele) últimos dias, e Por Onde Andará Machado de Assis?, de Ayrton Marcondes, que é uma espécie de releitura de Esaú e Jacó. Em compensação, em relação aos personagens machadianos, Capitu (Maria Capitolina Santiago) ganhou uma notoriedade que ultrapassa todas as fronteiras. Há várias adaptações para cinema e televisão, além de vários livros sobre ela: Capitu, de Paulo Emilio Sales Gomes e Lygia Fagundes Telles (roteiro de cinema), Capitu – Memórias Póstumas, de Domício Proença Filho (romance), Capitu Sou Eu, de Dalton Trevisan (contos), e vários outros. Para os demais personagens, há centenas de reinterpretações. Os curiosos podem procurar por Missa do Galo – variações sobre o mesmo tema (Org. Osman Lins), Capitu Mandou Flores (Org. Rinaldo de Fernandes) e Recontando Machado (Org. Luiz Antonio Aguiar). 

Para quem gosta de bisbilhotar a vida alheia, há pelo menos duas biografias de Machado de Assis no mercado. A mais antiga, e melhor, embora contenha algumas lacunas, foi escrita em 1981, por Raimundo Magalhaes Júnior (quatro volumes). Daniel Piza também tentou desvendar a vida de Machado. A crítica especializada não gostou muito. Além disso, a primeira edição tem alguns erros de informação. Coisa pouca, mas que não ajudou um livro que nasceu problemático.

Em síntese, Machado de Assis continua vivo. E assustando cada vez mais. Ninguém fica impune depois de ler algum de seus livros. Não consigo encontrar um elogio maior para um escritor.