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quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

NO ESTILO DE JALISCO


A história do futebol brasileiro muitas vezes se confunde com uma série de fracassos épicos (Copa do Mundo de 1950, Copa do Mundo de 1982, Copa América de 2001, Copa do Mundo de 2016). Assim como o “Maracanazo”, serão necessários séculos para esquecer a derrota para a Alemanha (7 a 1). Em todos esses momentos, o ufanismo grotesco projetava o triunfo e coube aos adversários corrigir exemplarmente a soberba. Como na famosa história de Garrincha, faltou combinar com os russos.
                         
Além dessas tragédias explicitas, há outra, menor, e que tem passado despercebida pela literatura. O melhor texto de ficção sobre o futebol brasileiro foi escrito por... um mexicano. Pois é, o país do futebol não consegue passar do nível de um perna-de-pau quando está jogando no campo da literatura. Isso, evidentemente, não quer dizer que o placar esteja em branco. Claro que não. Mas,... Os gols, digo, os romances produzidos por Márcio Américo (Meninos de Kichute, 2003), André Sant’Anna (O Paraíso é Bem Bacana, 2006), Michel Laub (O Segundo Tempo, 2006), Marcelo Backes (O Último Minuto, 2013) e Sergio Rodrigues (O Drible, 2013), entre outros, não parecem ser suficientes para levar o time à primeira divisão. Um pouco mais de categoria (golaço!) pode ser encontrado no texto de Clara Arreguy (Segunda Divisão, 2005), que parece ser um gol de honra, desses que não modificam o placar final. Em relação aos contos, basta lembrar a esqualidez da coletânea 22 Contista em Campo, organizada por Flávio Moreira da Costa em 2006, ou a exceção que é Maracanã, Adeus: onze histórias de futebol, do Edilberto Coutinho, publicado em 1986. 

No Estilo de Jalisco, de Juan Pablo Villalobos, publicado em 2014, é, na falta de palavra melhor, sensacional. Primeiro, porque se afasta da visão trágica do jogador pobre que encontra no futebol uma forma de avanço social e econômico. Nada contra o clichê, mas a bola também rola por outros gramados. Segundo, o uso da linguagem coloquial, repleta de expressões que misturam o espanhol mexicano com o carioquês resulta em um bom achado literário. O texto fica fluído, palatável. Terceiro, permite uma visão exterior de um período histórico pouco abordado pela literatura brasileira. Em livros de memórias políticas, como Os Carbonários (Alfredo Sirkis, 1980) e O Que é Isso, Companheiro? (Fernando Gabeira, 1979), há passagens sobre o ano de 1970 que são preciosidades. Ao mesmo tempo em que sequestravam embaixadores e cônsules, eles estavam diante da televisão, torcendo pela seleção – que foi usada para camuflar a repressão política. Coisa de doido, que foge da racionalidade de quem pretendia combater o governo militar.


Construído como um imenso (e intenso) bloco narrativo (apesar de estar fatiado em três partes), No Estilo de Jalisco conta a história de Juan. Nascido em Guadalajara (capital do estado de Jalisco), Juan viu vários dos jogos do escrete canarinho na Copa do Mundo de 1970. Ficou impressionado e resolveu se mudar para o Brasil aos 18 anos de idade. O tempo foi passando e ele se tornou parte da paisagem. Vários casamentos, incontáveis aventuras. Deslumbramentos. No intervalo entre uma crise e outra, descobriu uma maneira de ganhar dinheiro com a fama do “dream team” brasileiro de 1970. Como não podia contar com o elenco original, imaginou uma representação teatral dos jogos – ou melhor, das principais jogadas. Em estilo empreendedor, vendeu a ideia para um amigo de infância, empresário do ramo de entretenimento. Dezenas de apresentações foram marcadas em cidades do interior do México.

Essa história é contada na mesa de um bar. Seu interlocutor, Jair, não diz uma única palavra. Como compete a um narratário, sua existência literária tem como prioridade não deixar o narrador falando sozinho.

Entre dezenas de canecas de chope e copos de cachaça, Juan conta como foi escolhendo os jogadores, as dificuldades que teve para convencer os atletas/atores. A melhor parte acontece durante a excursão ao México. O espetáculo se transforma em outra coisa – que ele não consegue definir com precisão. Todo mundo ganhou dinheiro, mas,... a associação com Tigre (o amigo) foi muito diferente daquilo que ele havia projetado.  

Muitas das cenas são engraçadíssimas. Soma de trapalhadas, de “causos”, de confusões. As histórias dos dublês dos jogadores brasileiros e uruguaios (sim, vários uruguaios entram nesse balaio de gatos) são inacreditáveis. Desde jogador alcoólatra até o evangélico que exige uma “doação” ao pastor para poder jogar. Há de tudo – e mais um pouco. 

Juan é um excelente contador de histórias, que nunca perde o fio da meada, embora faça algumas divagações – em lugar de atrapalhar o desenvolvimento da história, esses penduricalhos ajudam na construção da atmosfera etílica em que o livro está assentado. Talvez o único senão esteja na inacreditável lucidez de Juan nas páginas que concluem o texto – depois de “tomar todas”, isso não parece verossímil.

Ao final de No Estilo de Jalisco, a grande piada – a vida não fornece sossego para aqueles que querem ser mais espertos do que os espertos. Uma bela metáfora do futebol brasileiro.


Juan Pablo Villalobos morou no Brasil entre 2007 e 2014. Publicou em português, além de No Estilo de Jalisco (2014), Festa no Covil (2012), Se Vivêssemos em um Lugar Normal (2013) e Te Vendo um Cachorro (2015).


TRECHO ESCOLHIDO

 

Na Copa de 78, por exemplo, o desastre foi maiúsculo. Olha o ridículo. O cálculo era que na primeira fase a gente ganhava da Tunísia, empatava com a Polônia e perdia da Alemanha. Ficaríamos com três pontos que dariam um passe para a segunda fase. Sabe o que aconteceu? A gente perdeu os três jogos por goleada. Tem até uma piada famosa da partida contra a Alemanha. O primeiro tempo acabou 3 a 0 pra Alemanha e o goleiro mexicano teve de ser substituído por lesão. Então quando acabou o jogo, o goleiro reserva foi correndo para o vestiário e falou para o goleiro titular que tinha ficado ali sem saber o que acontecia no gramado:

– Empatamos!

O goleiro titular pulou de felicidade:

– 3 a 3?

– Não, disse o goleiro reserva, eu também tomei três.


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